Críticas

Crítica | Traffik: Liberdade Roubada

Ainda são frequentes os filmes que colocam pessoas comuns diante de situações extremamente perigosas. É uma fórmula que continua a funcionar nas mãos de bons cineastas, independente do estilo ou gênero. Encurralado, Duro de Matar, O Quarto do Pânico e o ótimo Sala Verde são provas de que a receita se manteve firme ao longo das décadas, desde que contasse com uma execução sofisticada. Mas isso nem sempre ocorre, e sobram produções equivocadas como Traffik: Liberdade Roubada, escrito e dirigido por Deon Taylor, que tropeça em sua tentativa de criar um thriller estiloso em cima da incômoda temática do tráfico sexual de mulheres.

Com clima de Tela Quente, Traffik desenvolve sua história da maneira mais batida possível. Após um prólogo que apresenta o sequestro de uma dançarina, conhecemos a protagonista Brea (Paula Patton), uma jornalista empenhada à procura de uma boa matéria. Idealista, ela discute com seu chefe e decide tirar um tempo para refletir sobre sua carreira. A partir disso, seu namorado John (Omar Epps) tem a ideia de levá-la para uma casa remota nas montanhas, no intuito de passar um tempo a sós e fortalecer a relação. A caminho do local, param em um posto e chamam a atenção de uma gangue de motociclistas suspeitos. Enquanto Brea encontra a enigmática Cara (Dawn Olivieri), que lhe diz coisas desconexas, John é provocado por um dos membros da gangue, levando a uma briga que logo é interrompida pela xerife local Sally (Missi Pyle).

De volta à estrada, Brea e John são perseguidos brevemente por um dos motociclistas, mas conseguem despistá-lo e chegar à casa de veraneio sãos e salvos. No entanto, pouco depois da visita surpresa de um casal de amigos (Laz Alonso e Roselyn Sanchez), Brea nota que um celular foi colocado em sua bolsa, provavelmente durante a visita ao posto. Lembrando-se do que Cara lhe disse, ela adivinha a senha do aparelho e o desbloqueia, encontrando dezenas de fotos de garotas cheias de hematomas, organizadas como num catálogo. Assim, descobrem acidentalmente um esquema de tráfico sexual orquestrado pela gangue do posto. Brea chama a polícia, mas os motociclistas chegam ao local antes e farão de tudo para recuperar o aparelho.

O primeiro tropeço de Traffik está no desenvolvimento enrolado da trama. Quase 1 hora já se passou até que os vilões batam na porta de Brea e John e se inicie a dinâmica de gato e rato que era prometida. Antes disso acontecer, o roteiro de Taylor se perde na tentativa de construir um drama de relacionamento, escolha compreensível para criar alguma carga emocional mas que necessitava de uma condução mais articulada e madura para ter efeito – apostando numa linguagem de videoclipe, Taylor mostra a paixão do casal de forma demasiadamente perfumada e artificial. As constantes declarações de amor entre os dois, reforçando o quanto importam um ao outro, também tornam o percurso à frente bem mais óbvio do que deveria ser, e qualquer um que tenha visto um thriller chinfrim desses antes pode antecipar certos acontecimentos a quilômetros de distância.

Taylor joga mais tempo fora ao tentar criar discórdia entre Brea, John e o casal de amigos, resultando em uma briga que parece diretamente retirada de um reality show dos mais trash. À essa altura do campeonato, Traffik já deve perder o interesse de grande parte do público, ainda desperdiçando a fotografia do veterano Dante Spinotti (Los Angeles: Cidade Proibida) numa mise-en-scène pedestre que não aproveita a arquitetura da chiquérrima casa. Infelizmente, a ação que se dá fora dela, quando os criminosos começam a atacar, não chega a ser muito melhor, já que Taylor não constrói bem a espacialidade das cenas. A segunda metade também sofre devido à falta de sutileza do desenvolvimento, que dá dicas demais e deixa a maioria das reviravoltas um bocado previsíveis – incluindo aquela que envolve a xerife interpretada por Missi Pyle, que está esforçada em um papel diferente do habitual.

Entretanto, o que mais incomoda no filme é sua exploração desagradável da temática do tráfico sexual. Claro, não é um tema que deva ser palatável, mas há um mau gosto latente na maneira com a qual o longa trata as vítimas do tráfico. A câmera de Taylor está mais preocupada em impressionar com as feridas infligidas sobre as moças do que registrar a humanidade nelas, tratando-as quase como objetos de cena. Fora isso, embora o filme seja divulgado com o slogan “Não Aceite Ser Mais Uma Vítima”, prometendo o empoderamento da personagem de Patton, essa aguardada inversão de papéis é muito tardia para que haja um bom sentimento de catarse, falhando em tirar o gosto amargo da boca apesar do desfecho otimista.

Faltou sensibilidade no olhar de Taylor, que ainda faz uso deslocado de uma faixa da icônica Nina Simone – no caso, sua versão de “Strange Fruit”, poema que condenava o racismo no sul dos EUA. Rumo ao final, há tentativas interessantes de comentar sobre tópicos ambiciosos como a sororidade e a hostilidade com a qual a mídia e a sociedade tratam mulheres que denunciam abusos, mas o texto fraco de Taylor não comove. Traffik: Liberdade Roubada é encerrado com letreiros que apontam os preocupantes números do tráfico sexual, pedindo por vigilância e mudanças positivas no tratamento que o mundo dá às mulheres. Isso, ao invés de dar alguma contundência ao filme que precede, acaba por criar outra questão: como essa história, tão relutante em empoderar sua protagonista, se desenrolaria sob a condução de uma mulher?

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