Infernal

Crítica: Lucifer – 5ª Temporada – Parte 2

Segunda parte da quinta temporada de Lucifer amadurece a ideia de humanidade em todos os seres

Existe um conselho muito útil encontrado nos escritos da Bíblia Satânica de Anton LaVey que diz – “Faça o que quiser, apenas não machuque ninguém.” Super satânico, não?!

Claro, que tal ideal é uma forma de diminuirmos a quantidade de culpa que sentimos diariamente em nossas rotinas rodeadas de relações íntimas, que nos encantam e amarram com suas negociações, argumentos e segredos.

Muitas das escolhas que fizermos, seja individualmente e para nosso entorno, não sairão como planejamos. E, a partir daí teremos a base e oportunidade de escolher uma prática diferente em nossas vidas. De certa forma, é como se o líder símbolo da Igreja Satânica nos tenha indicado o exercício da indulgência em vez da abstinência.

Que remete aos estudos do grande filósofo polônes Zygmunt Bauman (1925-2017), que ao dissertar sobre a ambivalência da vida disse – “Existem dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis para se ter uma vida satisfatória e relativamente feliz. Segurança e liberdade. Não é possível ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos.”

Assim, consciente de que precisamos de ambas, fica o dilema diário de encontrar o equilíbrio disso em nossos dias. De modo que, naturalmente, quando temos mais segurança, acabamos cedendo um pouco de nossa liberdade, assim como quando conseguimos ter um pouco mais de liberdade, perdemos um tanto de segurança. O bom e velho “ganho aqui, mas perco lá”. Deste jeito é a vida.

Então, fascina que a quinta temporada da adorada série Lucifer, uma produção original Netflix, tenha se mostrado tão madura emocionalmente ao chegar nesse ponto atual.

A segunda parte da quinta temporada da produção retorna com a aparição de Deus (Dennis Haysbert), pai de todos os anjos, como Lucifer (Tom Ellis), Amenadiel (D.B. Woodside) e Miguel (Tom Ellis). O Todo Poderoso veio à Terra para buscar cessar as brigas entre seus filhos Lucifer e Miguel, irmãos gêmeos.

Casos de família

Logo, no episódio ‘Jantar de família’, teremos uma boa dose do que iremos encontrar durante uma considerável porção da parte 2 de Lucifer: ‘daddy issues’ (no traduzido, problemas com a figura do pai).

Por três episódios seguidos, a série desenvolvida por Tom Kapinos, abordará com leveza e agudez todos os dramas e pesares vividos e sentidos pelo personagem-título na relação com seu onipotente Pai.

Será muito fácil do público se identificar em ‘Jantar em família’, de maneira que parece muito com tantos domingos de Páscoa, ou ceias de Natal de nossas realidades, com muita lavação de roupa suja que deixa a comida fria e sem sabor.

Muito cativante que o episódio seguinte ‘Karaokê celestial’, um dos mais engraçados de toda a quinta temporada (que também pinça cirurgicamente as durezas da senilidade), seja uma interpretação solar dos arranca-rabos familiares de cada um de nós, regados à Queen, The Police, George Thorogood, TLC, Charlie Chaplin, e outros.

A pouco, falava-se de liberdade, e é esta que a narrativa de Lucifer na Netflix. Desde a sua gênese, a série ronda o ideal hedonista de se viver, e ao abordar isso, permite uma liberdade artística (ou poética) para que o fio narrativo ganhe expansão dentro da trama, portanto, quaisquer gêneros ou elementos se adaptam com maior facilidade dentro da história.

Quando comentam que comédia é mais difícil que drama, geralmente, referem-se ao esforço necessário para se mostrar como algo autêntico em um nível altamente exagerado e desigual. Entendem o porquê do sucesso (comercial e artístico) do personagem principal dessa fantasia, agora?

Perdoe, liberte-se

Após o episódio ‘Daniel Espinoza: nu e come medo’, que aparenta ser uma faixa ‘filler’ de um álbum musical, e que mais a frente, ganhará uma conotação emocional diferente, iremos ainda mais fundo na questão da relação pais e filhos, tocando nos temas de amor próprio, e da necessidade do perdão para ser possível seguir em frente e parar o hábito de sabotar suas relações atuais.

Os episódios derradeiros de Lucifer revelam momentos de grandes emoções de todo tipo, como o retorno breve de uma personagem que não se viu nas temporadas anteriores desta, e com sua volta, o fim de um ciclo e uma última chance de estender a mão e dizer a verdade. Sempre é de grande valor perceber as paredes caindo, e deixando a luz entrar.

Fora do eixo principal da história, também tivemos instantes de reflexão, ou pura catarse. Ella Lopez (Aimee Garcia) que sofre muito por atrair pessoas e situações ruins, apesar de seu prazer por estudar casos de homicídio, aprende a dimensão da escuridão que habita o seu interior, enquanto Deus, papel de Dennis Haysbert, explica os papéis de luz e sombra. Consequentemente, para a jovem profissional conseguir executar seu trabalho tão bem como é o caso, só possuindo um brilho enorme como combustível para seguir fazendo o correto.

Também, observamos o extremo do mais sensível e vulnerável em Maze (Lesley-Ann Brandt), que fez lembrar a ferocidade atormentada de Hugh Jackman no excepcional Logan (2017) de James Mangold.

Conclusão

Apesar do último episódio ‘Final feliz?’, ser um tanto quanto apressado, não oferecendo o tempo necessário para se conectar e sentir o peso dos fatos acontecendo, ainda é possível afirmar que esta temporada de Lucifer deixa um legado de valores, mas acima de tudo, uma amostra de maior maturidade emocional.

Bem no início do episódio ‘Karaokê celestial’, Amenadiel e Linda (Rachael Harris) discutem sobre a genética de seu bebê Charlie, a terapeuta afirma que todos nós (arcanjos e deuses, incluso) passamos pelas mesmas aflições e batemos de frente nas mesmas barreiras.

Então, entende-se que o único caminho se quisermos algo diferente do que temos hoje é mudarmos nossas percepções e atitudes. Evoluir, passar a frente do lugar estagnado que nos ancoramos, e que nos distancia do nosso potencial e da vida que continua se movimentando aos lados, independente de nossas vontades.

Lucifer, tanto a série original Netflix, como o seu protagonista, são a prova viva de que nada é definitivo. Sempre há um caminho diferente do que lhe foi destinado. Quem caiu no passado, ergue o braço no presente.

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