Genocídio

Crítica – A Chorona

Filme representante da Guatemala mira no suspense/terror, mas na realidade é um drama sobrenatural

Muito raramente nos deparamos com essa situação vista em A Chorona, obra de produção guatemalteca e francesa, dirigida por Jayro Bustamante. No caso, quando uma produção é apresentada para o mercado como pertencente a um determinado nicho, mas na realidade mostra-se mais confortável como um outro conceito diferente.

Não levem a mal! Existe muito terror a ser visto no longa-metragem de Bustamante, porém, ele não se encontra na linguagem narrativa comum ao gênero, e sim, no conteúdo abordado pelo cineasta.

Em A Chorona, ficamos sabendo que Alma (María Mercedes Coroy) e seus filhos foram assassinados durante um ataque militar na Guatemala. Trinta anos depois, é instaurado um processo criminal contra Enrique (Julio Diaz), o general aposentado responsável pelo genocídio. Mas ele é absolvido no julgamento, para a revolta da população, que cerca sua casa em protesto. Preso em sua mansão junto de sua família, além de alguns empregados, Enrique fica paranoico e começa a ouvir lamentos misteriosos durante a noite. O que ele não sabe é que a nova governanta da residência está lá para atormentar o ambiente.

Mulheres X Homens

Não há outra maneira de dizer. A obra dirigida por Jayro Bustamante é sobre as atrocidades cometidas pelo homem, onde geralmente a mulher é a principal vítima destes atos brutais.

Assim, ganham muito corpo as duas cenas de abertura de A Chorona: na primeira, observamos um grupo de mulheres fazendo uma corrente de oração, liderada pela esposa do general, visando a absolvição do próprio no julgamento; enquanto, na segunda cena, vemos um grupo de ex-militares em uma sala, acompanhados do advogado de defesa, conversando sobre o que pode ocorrer na audiência, enquanto o ex-general está próximo à janela, fumando despreocupado.

Enquanto avançamos com a narrativa, vamos percebendo que o cineasta, aos poucos, vai nivelando as mulheres da família com aquelas que foram brutalmente aniquiladas pelo ex-ditador guatemalteco. Tornando todas estas, vítimas de seus desejos e ambições, de uma forma ou outra.

Bustamante se aproveitou muito bem dos fatores históricos recentes do país que, de 1960 a 1996, enfrentou uma sangrenta guerra civil travada entre o governo apoiado pelos Estados Unidos e rebeldes de esquerda, incluindo massacres genocidas da população maia perpetrados pelos militares. Estima-se que 200.000 guatemaltecos foram mortos durante a Guerra Civil no país, incluindo pelo menos 40.000 pessoas que “desapareceram”.

O roteiro escrito pelo diretor, junto de Lisandro Sanchez, recria a história do ex-ditador militar General Efrain Ríos Montt (1982–1983), que foi indiciado por seu papel na fase mais intensa do genocídio. Ele foi condenado em 2013, mas a sentença foi anulada e seu novo julgamento não foi concluído até o momento de sua morte em 2018.

Saparia

Para os menos informados, saparia é o coletivo de sapos. Que aparecem aos montes em A Chorona, que chega às salas de cinema.

Curioso, que tal figura anfíbia de aparência asquerosa, serviria harmoniosamente bem em filmes do gênero terror. Só que não se enganem, pois a obra de Jayro Bustamante não é um exemplo do tipo.

Na realidade, A Chorona é um drama sobrenatural. Nem suspense dá para dizer que faz parte da narrativa dessa produção, de modo que até fica fácil imaginar os rumos da história, pouco após a absolvição do general.

Portanto, bom evitar o conceito de assistir este filme, imaginando que irá usufruir dos elementos mais comuns ao gênero. Certamente, isso não acontecerá.

Todavia, se visto como um retrato sobre o mau, possivelmente, assistirá uma obra que deixará uma marca emocional no espectador.

Levando-se em consideração tal fator, perceberemos que os sapos presentes na mansão do ex-ditador não são um sinal de agouro, mas de transformação, renascimento.

No xamanismo, o sapo nos conecta às emoções, ao feminino e às energias de limpeza e purificação, principalmente emocional e espiritual. Como animal de poder, o sapo pede que você se desintoxique de perspectivas ultrapassadas ou das energias negativas que possam estar te machucando.

Resumindo: algo que é decididamente doloroso, na verdade é uma segunda chance para as mulheres na vida de um homem vil e repugnante.

Agora, para nós, mais uma oportunidade de aprendermos com o passado para que este não se repita em nosso presente, até mesmo porque somos, e continuaremos sendo assombrados pelas dores que um dia provocamos.

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