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Crítica: Força-Queer – 1ª Temporada

Animação adulta da Netflix é tímida na provocação, e nem muito sagaz em seus comentários sociais

Definir animação adulta é afirmar sobre qualquer tipo de movimento animado que atende especificamente aos interesses dos adultos, sendo direcionado e comercializado para este público, assim como também para os adolescentes.

Trabalhos neste meio podem ser considerados adultos por uma série de razões, incluindo a incorporação de conteúdo sexual explícito ou sugestivo, violência gráfica, linguagem profana, humor sombrio ou outros elementos temáticos vistos como inadequados para crianças. Também podem explorar em seus enredos, questões filosóficas, políticas ou sociais.

Produções deste tipo existem desde os tempos pré-Código Hays, que foi um conjunto de diretrizes da indústria para a autocensura de conteúdo, aplicado à maioria dos filmes dos Estados Unidos, lançados por grandes estúdios de 1934 a 1968; com o fim do Código Hays, os critérios anteriores foram substituídos pelo sistema de classificação de filmes da Motion Picture Association of America (MPAA).

Porém, só na chegada dos anos 90 que tivemos o grande ‘boom’ das animações adultas invadindo as televisões americanas, lideradas por uma família de personagens amarelos que resistem até os dias de hoje, batendo todos os tipos de recordes com trinta e duas temporadas (!), e mais de setecentos episódios em seu catálogo. Veio Os Simpsons, e o jogo virou!

A partir dali, vieram outras grandes produções, como Beavis and Butt-Head, Space Ghost de Costa à Costa, além da deliciosamente ultrajante South Park, criada pelo duo Trey Parker e Matt Stone; em tempos recentes, temos algumas séries, tipo BoJack Horseman, e Big Mouth recebendo maiores destaques com o público, assim como um filme ou outro, por exemplo, o mega-ofensivo mas esperto Festa da Salsicha.

Desta forma, não é nenhuma novidade para a Netflix trabalhar com produções animadas deste tipo, portanto, não nos surpreendemos com a disponibilização da animação Força-Queer, criada por Gabe Liedman, sobre a Queer Force (Q-Force), um grupo de espiões LGBT desvalorizados, centrado em um agente secreto à la James Bond, Steve Maryweather (também conhecido como Agente Mary), que tenta provar seu valor em aventuras pessoais e profissionais, ao lado de sua talentosa equipe. Um dia, Mary decide convencer a American Intelligence Agency (AIA), buscando resolver um caso para obter a aprovação deles, mas nem imagina que deverá aturar um novo membro na equipe, o Agente Buck, um heterossexual bem grosseiro.

Peças certas, ferramentas erradas

No papel, Força-Queer tinha tudo para ser um projeto incrível, a começar pelos nomes envolvidos. Sean Hayes, que deu voz ao protagonista Mary, também atua como um dos produtores executivos dessa produção original Netflix. O ator e comediante americano, que se revelou publicamente como um homem gay em 2010, é uma fonte inesgotável de criatividade desde os tempos de Will & Grace.

Também podemos argumentar a favor da hilariante Wanda Sykes (A Sogra; A Volta do Todo Poderoso), que assim como seu colega Sean Hayes, igualmente assumiu publicamente sua homossexualidade muitos anos atrás.

Óbvio, que só elenco não salva qualquer produção, mas Força-Queer tem mais que isso, em vista que a premissa é deveras promissora, que opta por exaltar uma equipe de profissionais superqualificados representantes da classe LGBT, partindo para a ação e heroísmo. Junta-se a isso, uma proposta satírica que visa fazer rir, enquanto conscientiza e educa o assinante da plataforma streaming sobre alguns aspectos que envolvem a vida e rotina de homens e mulheres homossexuais em nossa sociedade.

Resumindo: tinham todas as cartas na mão!

Logo, lamenta-se que não souberam tirar proveito dessas escolhas, pois o roteiro da animação Netflix pegou muito leve com as sátiras, consequentemente afetando o teor cômico, o que acabou por tirar um tanto do impacto nos comentários propostos.

Sim, é possível identificá-los ao longo dos dez episódios desta primeira temporada. No entanto, não é o suficiente para prender a atenção do assinante, do mesmo modo como não se mostrou capaz de interpelar quem assiste, confrontando conceitos ou ideias.

Denúncia

Nem será necessário chegar nos momentos derradeiros desta temporada, para perceber qual foi a maior denúncia do enredo escrito por Gabe Liedman. Já no primeiro episódio ‘Rebeldes’, dá para sacar!

Força-Queer espeta diretamente às grandes instituições americanas, seja a polícia, ou outros grandes serviços de inteligência governamentais, por não estimularem uma maior diversidade em seus plantéis.

Mais: condenam estas mesmas instituições por reprimir e desqualificar tantos profissionais capacitados, exclusivamente pela orientação sexual destes indivíduos.

O hétero Agente Buck é o exemplo do típico oficial que não consegue compreender e aceitar como alguns de seus colegas possam ser homossexuais, e ao mesmo tempo, capazes de executar alguns feitos nas missões ordenadas pela American Intelligence Agency (AIA).

Twink, mestre dos disfarces

Se ficou claro a ausência de um humor mais potente pela narrativa de Força-Queer da Netflix, ao menos, podemos celebrar que uma personagem, realmente conseguiram acertar a mão. Do começo, até o episódio final da temporada: o especialista em disfarces Twink, dublado por Matt Rogers.

Os poucos momentos de riso que irão encontrar por aqui, provavelmente virão quando o habilidoso Twink estiver em cena, que apesar de não ser das pessoas mais sagazes, possui carisma e engenhosidade para conseguir sair por cima de tantas situações.

Esta série da Netflix escolheu fazer algumas referências a outras produções hollywoodianas de destaque, entre estas: Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento (2000), O Diário da Princesa (2001), e O Segredo de Brokeback Mountain (2005).

São nesses momentos que Twink tem sua chance de brilhar, como quando finge ser a repórter investigativa Erin Brockovich, que na realidade nunca praticou tal profissão, pois ela é uma advogada, especializada em direitos do consumidor.

Conclusão

Havendo uma segunda temporada de Força-Queer na Netflix, fica clara à necessidade de se encontrar outro(a) profissional para ficar responsável pelo roteiro da série, para que não se repita a mesma sensação após o fim dessa primeira parte.

Uma vez que todas as peças estão aí disponíveis, basta alguém chegar e conseguir usufruir o melhor delas para poder elevar as qualidades narrativas desta trama, para muito, mas muito além do arco-íris.

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