11/09

Crítica – Quanto Vale?

Drama biográfico da Netflix supera alguns desníveis narrativos, e entrega história comovente sem apelar ao sentimentalismo

Dizem por aí… que a escolha do elenco representa mais da metade do que virá a ser o seu projeto cinematográfico.

Bom, difícil comprar essa ideia assim, tão facilmente. Mesmo porque já vimos produções incríveis repletas de grandes estrelas do cinema afundarem de maneira categórica. Contudo, é inegável que a escalação de um certo grupo de atores pode facilitar muito o trabalho de uma produção, que possivelmente receberá um cheque mais gordo que deve cobrir algumas despesas extras que surgirem, mas principalmente, favorece o trabalho de um(a) cineasta que poderá contar com uma seleção de profissionais dotada de grandes talentos.

Deste modo, já podemos afirmar que a jovem diretora Sara Colangelo acertou em cheio ao convocar os atores Michael Keaton e Stanley Tucci em sua mais recente obra Quanto Vale?, que já está disponível no catálogo da plataforma Netflix.

Foi possível dizer de antemão que seria um acerto, pois ambos já haviam trabalhado juntos no excepcional Spotlight – Segredos Revelados (2015) de Tom McCarthy, produção vencedora do Oscar de Melhor Filme na edição do ano seguinte. E, curiosamente, estas duas produções têm muito mais em comum do que a dupla de atores veteranos, uma vez que encontraremos alguns traços narrativos similares, como a proposta de exaltar uma forma de serviço à sociedade, usando de uma linguagem mais sóbria.

Após os terríveis ataques de 2001 ao World Trade Center e Pentágono, o Congresso Americano nomeou o advogado e renomado mediador Kenneth Feinberg (Michael Keaton) para liderar o Fundo de Compensação às Vítimas do 11 de setembro. Encarregados de destinar recursos financeiros às vítimas da tragédia, Feinberg e sua sócia Camille Biros (Amy Ryan), enfrentam a impossível tarefa de determinar o valor de uma vida, que servirá de auxílio às famílias que sofreram perdas incalculáveis. Quando Feinberg conhece Charles Wolf (Stanley Tucci), um organizador comunitário que perdeu sua esposa naquele fatídico dia, verá que as coisas não serão tão simples e práticas como previa. Agora, terá que encontrar uma maneira de conseguir se aproximar destas famílias que permanecem em luto.

Quando a dor é maior que a razão

Se analisarmos Quanto Vale? focando exclusivamente no protagonista interpretado pelo sempre competente Michael Keaton, perceberemos um filme que progride de maneira firme e pulsante, que não escorrega no sentimentalismo melodramático. Muito pelo contrário, já que a atmosfera geral é de contenção.

Kenneth Feinberg é um homem de números, um profissional que acredita que a razão sempre prevalecerá em algum momento, acima de todas dores e sofrimentos que passamos. Só que o experiente advogado, nunca se deparou com uma situação como essa, onde se viu na posição de ter que lidar com milhares de famílias sofrendo de uma perda trágica muito (!) recente, que abalou todo um país, emocionalmente, mas também economicamente.

Fica fácil notar que Feinberg e sua personalidade contida não são capazes de representar o trauma que tantas famílias vivenciaram, assim, se ele quiser realmente ajudar estas pessoas, algo que nunca duvidamos desde o começo, terá que enxergar além dos números e fórmulas. Missão das mais complexas para alguém como ele.

Entra Charles Wolf, papel do ótimo Stanley Tucci, que representa para as famílias que perderam os entes queridos, algo similar ao que fez Julia Roberts em Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento (2000) de Steven Soderbergh.

Curioso que apesar de se encontrarem em lados opostos, ambas personagens compartilham de algumas semelhanças, em especial, a maneira civil no trato com as pessoas. Algo que não deveria ser esquecido sob nenhuma circunstância em nossos dias.

Somos muito mais do que números

Apesar de Quanto Vale? ter apresentado bons predicados pela narrativa, deve-se pontuar que existem alguns desníveis na parte central da trama, que privilegia algumas coisas mais que outras.

Também encontramos uma denúncia clara às grandes instituições governamentais que tratam seus cidadãos como dígitos em uma folha de papel, sem ouvir suas histórias e versões de como as coisas aconteceram; além do fato de alguns mais poderosos (ou parceiros destes) visarem uma maneira de pegar uma fatia de bolo maior, às custas do sofrimento daqueles mais desfavorecidos.

No fim, conclui-se que a obra dirigida por Sara Colangelo deixa uma chamada de consciência que permanece bem-vinda em dias recentes, onde ainda convivemos com as tragédias da pandemia, que persiste em jogar números e mais números em nossas faces.

Se passarmos a enxergar tais números como histórias de vida, provavelmente, conseguiremos sair melhores do que quando entramos.

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