Nas areias

Crítica – Duna

Décimo filme da carreira de Denis Villeneuve é colossal em escala, mas sem alma

Inegavelmente, Denis Villeneuve é um dos grandes nomes em Hollywood atualmente. O cineasta, produtor e roteirista de 54 anos de idade, nascido em Quebec, no Canadá, tem visto seu nome ser elevado ao grau de mestre-artesão, já que algumas de suas últimas produções se destacaram entregando visuais grandiosos que chamam a atenção de qualquer um com os sensos ativos.

Seu primeiro grande destaque na carreira veio com Incêndios (2010), obra indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, categoria que hoje mudou para Melhor Filme Internacional. Logo após o sucesso do título, veio a estreia de Villeneuve em Hollywood com o admirável Os Suspeitos (2013), estrelando Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal, que apresentou uma das melhores performances de sua carreira no papel do Detetive Loki.

Sicario – Terra de Ninguém (2015), assim como o comovente e relevante A Chegada (2016), continuaram a mostrar os predicados de um diretor que não mostrava apreciar a ideia de ter limites impostos à sua profissão. Aí veio aquele momento de ultra coragem, assumiu o posto de desenvolvedor da continuação do clássico Blade Runner – O Caçador de Androides (1982), dirigido por Ridley Scott.

Blade Runner 2049 (2017) foi o primeiro sinal de alerta na carreira de Denis Villeneuve, que apesar de protegido por uma fotografia exemplar executada pelo brilhante Roger Deakins, já mostrava que estava perdendo a mão em alguns momentos. Principalmente por imprimir um rigor exagerado pela narrativa, que não dá espaço para contrapontos, ou qualquer nuance à história. Isso acabava por tirar alguns dos valores narrativos que auxiliam no entretenimento, assim como na reflexão proposta nestas produções.

Agora, Villeneuve apresenta mais um colosso audiovisual. Assim como teve a ousadia quando assumiu seu projeto anterior, teve novamente ao escolher Duna como sua nova empreitada fílmica.

É o primeiro volume de uma adaptação planejada em duas partes do romance de 1965 de mesmo nome de Frank Herbert, cobrindo principalmente a primeira metade do livro. Situado em um futuro distante, segue Paul Atreides (Timothée Chalamet), enquanto ele e sua família, a nobre Casa Atreides, são lançados em uma guerra pelo perigoso planeta deserto de Arrakis, entre o povo nativo Fremen e os invasores inimigos, a Casa Harkonnen.

Tamanho é documento?

Já era sabido de todos que a nova versão de Duna, seria o que chamamos de filme-evento, assim como foi Blade Runner 2049 quando chegou nas salas de cinema. Seu orçamento bate a casa dos 165 milhões de dólares, dando o status de grande produção como pudemos observar.

Existem outras produções que chegam a ultrapassar a linha dos 200 milhões de dólares, como por exemplo, todos os projetos de Zack Snyder em parceria com a DC. O diferencial é que nas obras de Denis Villeneuve, assim como nos trabalhos de Christopher Nolan, testemunhamos um uso ligeiramente menor de computações gráficas, focando mais na construção de grandes cenários mastodônticos, além de outros detalhes envolvendo a direção de arte que geralmente encantam o espectador no escurinho do cinema.

O cineasta franco-canadense já havia mostrado esse carteado quatro anos atrás ao continuar a história de Blade Runner – O Caçador de Androides, elaborando toda uma atmosfera visual palpável para a venerada obra sci-fi. Contudo, era também perceptível que havia ali um desequilíbrio narrativo que afastava pulsação do potencial imagético.

Lamentavelmente, isto se repete em Duna, exponencialmente de modo ainda mais exagerado.

Para constatar: é admirável que existam profissionais como Villeneuve que ousam, arriscam criar trabalhos tão substanciais como o longa em questão. No entanto, fica mais que claro que ele está se perdendo, até diminuindo, perante a escala horizontal e vertical de seus filmes mais recentes.

Se em Blade Runner 2049, aos trancos e barrancos, houve uma manutenção narrativa (um pouco) mais eficaz; em Duna, estamos completamente perdidos no deserto, figurativamente.

Protagonismo (quase) uniforme

A máxima diz: ação é personagem, e personagem é ação.

No coração de todo e qualquer enredo, tal guia deve ser cumprida para que tenhamos um envolvimento maior com a obra, sejam produções independentes ou de grande porte, hollywoodianas ou de qualquer outro lugar. Sem este valor, pouco (ou quase nada) teremos para observar ou refletir no acender das luzes.

Novamente, Duna repete Blade Runner 2049, de forma ainda mais austera. É bem prático criar um paralelo entre as performances de Timothée Chalamet e Ryan Gosling, protagonista do projeto anterior de Villeneuve. Ambos representam mais uma contenção de energias, do que a liberação que ocorre naturalmente diante transições de impacto presenciadas, momento a momento.

Porém, existe argumento para defender a escolha entre ator e diretor em Blade Runner 2049, onde Gosling interpretava um replicante. Já em Duna, fica difícil proteger Chalamet, que exibiu algo bem mais uniforme, de pouco contraste, quase sem pulso.

Não entendam mal. Timothée Chalamet é um jovem ator muito talentoso. Qualquer coisa assistam Me Chame Pelo Seu Nome para tirar a dúvida. Mas, não dá para negar que o protagonista em Duna, pela falta de atributos colocados, afetou o processo de imersão na história sendo contada.

Entre todos os protagonistas hollywoodianos que trabalharam com Denis Villeneuve, que incluem astros, como Hugh Jackman, Emily Blunt e Amy Adams, por exemplo; torna-se ainda mais prático notar que Timothée Chalamet foi aquele que apresentou menos artifícios em favor do enredo.

Em busca de uma alma

Ainda não deram luz verde para iniciar a pré-produção da segunda parte de Duna, que muito provavelmente irá acontecer. Mesmo porque seria muito vexatório deixar assim pela metade!

Entretanto, difícil imaginar Denis Villeneuve tentando fazer algo diferente do que foi este primeiro volume. Até natural, visando manter uma padronização audiovisual que juntas formam um conceito cheio. Ainda assim, existe espaço e oportunidades para que o cineasta franco-canadense possa embeber o capítulo final de Duna, com algo que faltou aqui: alma.

Muito fácil! Basta Villeneuve observar a atuação da cada vez mais impressionante Rebecca Ferguson, que surpreendeu a todos alguns anos atrás quando emparelhou no protagonista Tom Cruise em Missão Impossível – Nação Secreta (2015) de Christopher McQuarrie.

A atriz sueca de 38 anos de idade representou o único traço de batimento cardíaco em Duna, um organismo vivo no meio de tanta areia e austeridade. Por ela, talvez, Denis Villeneuve encontre o que tanto fez falta nesta primeira parte.

Se deixar isso acontecer novamente, teremos mais um exemplo de cinema em grande escala, mas pobre de consciência emocional.

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