Nosso Brasil

Crítica – 7 Prisioneiros

Filme-denúncia da Netflix traz estilo semidocumental enquanto comenta sobre trabalho escravo moderno

Antes de qualquer coisa, alguns dados relevantes: o Brasil foi a última nação do mundo ocidental a abolir o trabalho escravo de forma oficial, o que ocorreu no final do século XIX. Todavia, em termos práticos, esse problema continua a existir atualmente. Informações recentes estimam a ocorrência de 200 mil trabalhadores no país vivendo em regime de escravidão, segundo dados do Índice de Escravidão Global, elaborado por Organizações Não Governamentais (ONGs) ligadas à Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Segundo dados mais recentes levantados pela OIT, mais de 40 milhões de pessoas foram vítimas da escravidão moderna pelo mundo. No Brasil, a Secretaria de Inspeção do Trabalho mostrou que de 1995 a junho de 2020 foram resgatados pouco mais de 55 mil trabalhadores vivendo sob estas condições.

Perturbador saber que enquanto batalhamos contra tantas injustiças sociais pelo respeito à igualdade de direitos para cada um dos indivíduos, existem seres humanos que nem direitos têm!

Através do competente e esclarecedor longa-metragem 7 Prisioneiros de Alexandre Moratto tomamos conhecimento que o trabalho escravo, desgraçadamente, ainda é uma realidade das mais repugnantes em nossa história recente. Pela visão do cineasta de dupla cidadania brasileiro-americano ganhamos uma obra que detalha de forma explícita, que o termo trabalho escravo contemporâneo é usado no Brasil para designar a situação em que a pessoa está submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívidas e/ou condições degradantes. Não sendo necessário que os quatro elementos estejam presentes: apenas um deles é suficiente para configurar a exploração de trabalho escravo.

Em 7 Prisioneiros da Netflix, Mateus (Christian Malheiros), de 18 anos de idade, espera proporcionar uma vida melhor para sua família operária no campo. Aceitando um novo emprego em São Paulo, ele é levado para a cidade com um punhado de outros jovens de sua cidade, sem saber o que os espera: um trabalho exaustivo em um ferro-velho e suas carteiras de identidade apreendidas por um feitor cruel e explorador, Luca (Rodrigo Santoro), que os ameaça com o impensável caso tentem fugir.

Quem é Alexandre Moratto?

Este filme produzido pela Netflix figura como o segundo trabalho de Alexandre Moratto no campo da ficção, sendo que sua estreia ocorreu com o também eficaz Sócrates (2018), que lançou a carreira do instintivo ator Christian Malheiros, que hoje é o maior destaque da série de produção nacional Sintonia, disponível no catálogo da plataforma streaming.

Contudo, antes de se aventurar pela ficção, Moratto fez alguns curtas-metragens documentais de destaque, todos eles com um viés de serviço público. Sem sombra de dúvidas, tais projetos contribuíram bastante para a experiência do ainda jovem cineasta, que fez um trabalho ainda melhor em 7 Prisioneiros em comparação ao seu projeto ficcional anterior.

De tantos elementos que fazem parte de uma construção narrativa cinematográfica, sua câmera semidocumental é a que eleva os predicados desta obra. Nesta produção do tipo denúncia, dentre as cenas que foram projetadas para cutucar e comover o assinante da Netflix, nenhuma é capaz de consternar tanto como na parte inicial quando observamos os quatro jovens “trabalhando” exaustivamente, enquanto um capataz, interpretado por André Abujamra, tira um barato com a cara deles, gritando em alto volume para os prédios de alta classe que são vizinhos à oficina onde se encontram, sendo que obviamente ninguém se manifesta pelas varandas gourmet da metrópole paulistana.

O (maldito) sistema

Pelo roteiro de Moratto, escrito junto da parceira Thayná Mantesso, vemos que as intenções aqui desta denúncia assim como no cinema de José Padilha, um dos maiores nomes de destaque do cinema nacional, é enfatizar as estruturas vis de um sistema que foi erguido lá atrás com a aprovação de todo tipo de mandachuva, sejam estes pertencentes às forças do Estado, até o mais alto escalão político.

Ao pintar uma narrativa desta maneira, Alexandre Moratto não esconde de ninguém que na realidade estamos testemunhando uma tragédia cíclica em 7 Prisioneiros.

Seu companheiro de profissão José Padilha, diretor responsável pelo grande sucesso de bilheteria Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro (2010), optou por um caminho (ligeiramente) mais solar, onde presenciamos um arquitetado acerto de contas, na intenção de deixar o público brasileiro (iludido) um pouco mais esperançoso.

Já Alexandre Moratto não pega essa via, deixando o assinante Netflix com a possibilidade de perceber que, possivelmente, ele é parte do problema. Resta saber se algum dia teremos uma reflexão coletiva o suficiente para sermos algum tipo de solução.

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