Nápoles & Maradona

Crítica: The Hand of God – A Mão de Deus

Drama coming-of-age autobiográfico do cineasta italiano Paolo Sorrentino repete temáticas de produções anteriores, agora pelos olhos da adolescência

Pouco mais de um ano atrás, para ser mais exato no dia 25 de novembro de 2020, provavelmente deve ter notado pelas redes sociais, uma quantidade considerável de pessoas prestando homenagens à Diego Armando Maradona (1960 – 2020), para muitos o maior craque do futebol argentino em toda a história, ou até mesmo o melhor jogador dentro das quatro linhas do gramado de todos os tempos.

No início da carreira profissional, Maradona foi apelidado como “O Garoto de Ouro”, devido o seu precioso talento com a bola nos pés. Todavia, mais a frente em sua trajetória vitoriosa, ganharia um novo apelido, que marcou seus dias até o último suspiro: “A Mão de Deus”.

O astro argentino fez história duplamente na mesma partida, quando nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986, ele marcou os dois gols na vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra. O primeiro gol foi uma falta não penalizada onde usou a mão para abrir o placar, enquanto o segundo gol foi uma jogada com dribles por 60 metros passando por cinco jogadores da seleção adversária, votado como “O Gol do Século” pelos eleitores fanáticos por futebol.

O cineasta italiano Paolo Sorrentino já havia demonstrado seu apreço por “Dieguito” no visualmente hipnotizante A Juventude (2015), porém agora em The Hand of God – A Mão de Deus, disponível na plataforma Netflix, observamos o renomado diretor elevar o feito de Maradona à níveis (ainda) mais altos, transformando seu tento irregular em um tipo de maravilha que todos buscamos individualmente, ainda mais quando nos encontramos desamparados e travados no mesmo lugar prático todos os dias.

Na década de 1980, o jovem Fabietto (Filippo Scotti) mora em Nápoles junto de seu pai Saverio Schisa (Toni Servillo) e mãe Maria Schisa (Teresa Saponangelo). Ele não tem muitos amigos ou casos amorosos e planeja estudar filosofia na faculdade. Mas por enquanto, passa os dias ouvindo música e assistindo Diego Maradona jogar pelo seu time, o Napoli. Seu irmão Marchino (Marlon Joubert) o leva a audições de atuação, onde começa a despertar certo interesse pela arte do cinema. Então, uma tragédia atinge sua família, ao mesmo tempo que Fabietto atinge a maioridade de maneira cruel e entristecedora.

De volta às origens

Bem antes de The Hand of God – A Mão de Deus, mais precisamente em 1998 quando Sorrentino escreveu o roteiro de seu primeiro trabalho The Dust of Naples (no traduzido, O Pó de Nápoles), testemunhamos esta ligação universal entre artista e seu lugar de origem.

Contudo, em seu projeto mais recente vemos ele explorar as paisagens da belíssima cidade costeira italiana de um modo vibrante, instigando nossos desejos de conhecer terra tão mágica, enquanto sentimos o jovem protagonista cruzar as ruas como um nativo local para mais a frente percebermos que com algumas mudanças em sua vida, fizeram-no com que caminhasse pelas vielas mais como se estivesse de passagem na realidade.

Lembremos que temos aqui uma narrativa do tipo coming-of-age (amadurecimento) sobre um garoto desbravando e descobrindo todo tipo de coisa, desde sua própria família até o futebol, passando pelo cinema, amor e sexo, assim também como a dor da perda.

Em muitas maneiras fica prático encontrar algumas semelhanças entre este trabalho do italiano Paolo Sorrentino com outro colega companheiro de pátria, no caso, Luca Guadagnino que dirigiu o ótimo Me Chame Pelo Seu Nome (2017).

Narrativa transitante

Talvez o fator que mais surpreenda o assinante da Netflix que for assistir à produção italiana criada por Sorrentino, seja a transição natural que notamos ao nos aproximarmos da parte central da trama.

Na primeira metade temos uma narrativa que mergulha fundo nas macarronescas situações italianas, sempre muito à vontade e fluente pelo território cômico, apesar de uma ou outra passagem mais dramática. Entretanto, isso muda de frequência após um acontecimento inesperado e um tanto chocante no meio da história. A partir daí, temos uma narrativa mais melancólica e um tanto reflexiva, questionando nosso papel agora que não temos mais aquilo que nos servia de referência.

Igualmente às produções A Grande Beleza (2013) e A Juventude, analisamos Paolo Sorrentino trabalhando propostas similares, que falam sobre buscar e encontrar aquilo de mais especial que pode haver na nossa vida, enquanto contrapõe a eterna luta entre a idade e a juventude, o passado e o futuro, a vida e a morte.

Para Sorrentino, a tal da grande beleza da vida pode estar em vários lugares, situações e fatores inesperados: a mãe Maria está no seu melhor quando põe em prática algumas pegadinhas que podem ser bem maldosas; a vizinha baronesa no orgulho que exibe em seu apartamento repleto de figuras e objetos do passado; a tia Patrizia na valorização de seu torneado corpo e no fantástico que só ela pode ver; o irmão Marchino através de sua rotina de espírito livre boêmio que desfruta de tudo que a sua idade pode oferecer; o amigo traficante que cruza os mares acelerando sua lancha enquanto rasga os ventos marítimos do Golfo de Nápoles; e o tio Alfredo que acredita no poder divino das habilidades de Diego Armando Maradona, que também possuem a capacidade de salvar vidas.

Tudo é possível para Paolo Sorrentino se cada um executar algum tipo de movimento. Bastando evitar passar tempo demais trancado no banheiro, naturalmente tudo à volta irá fluir de um jeito ou outro.

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