Desaparecimentos

Crítica: Fique Comigo – 1ª Temporada

Thriller dramático da Netflix demora um pouco para empolgar, mas pega no tranco e termina entregando um material comovente sobre traumas provenientes da violência masculina

Vivemos em tempos de reavaliação de certos fatores e circunstâncias. Estamos a todo momento revendo algumas ideias, frases e pensamentos, numa tentativa de aproximação com o status atual da nossa sociedade. Obviamente, que todo processo de revisão necessita ser bem argumentado para que possamos entregar duas coisas no final: primeiramente, a verdade; e depois, a consideração (respeito) por aqueles(as) marginalizados(as) pelo sistema socioeconômico.

Não é segredo que nos últimos anos temos visto muitas produções do audiovisual retratar como o machismo na sociedade (ainda) afeta, corrompe e destrói a vida pessoal e profissional de tantas mulheres.

Lamentavelmente, observamos que alguns mais acovardados preferem simplificar e estigmatizar esse processo de consciência como, exclusivamente, uma forma de gritaria fabricada por grupos progressistas que querem “destruir” todos os valores estabelecidos desde outros tempos.

Sim, é bom que se diga que existe uma ala progressista mais chegada em um oba-oba do que qualquer proposta de comunicação e resistência, porém, apesar destes indivíduos que pouco ou nada cooperam na construção de uma sociedade mais justa e compassiva, ainda se mostra mais do que urgente essa busca pela conscientização em vários segmentos sociais. Sempre argumentando e batalhando por mudanças necessárias para os dias de hoje, assim como para as gerações futuras.

Deste modo, vemos que a Netflix, mais uma vez, disponibilizou novo material abordando como a violência masculina deforma não apenas o físico, como também o espírito feminino.

Fique Comigo acompanha as vidas de um fotojornalista (Richard Armitage), uma mãe suburbana (Cush Jumbo) e um detetive de homicídios (James Nesbitt), que foram afetadas por um acontecimento terrível do passado. Agora, resta saber quem está por de trás dos desaparecimentos de algumas pessoas nos arredores de uma boate isolada?

Demorou, mas decolou!

O mais recente thriller da Netflix não é daquelas produções de mistério que apanham os assinantes daquele jeito!

É confortável afirmar que a narrativa de Fique Comigo começa um tanto desestimulante. Introduzindo o trio de protagonistas de maneira apenas burocrática. Esse início que não se mostrava nada promissor começa a ganhar mais corpo e propulsão no quarto episódio, quando testemunharemos Megan e o detetive Broome frente a frente, ambos na mesma caçada para encontrar Stewart Green (Rod Hunt).

Dali em diante, vemos a série produzida pela Netflix decolar!

Quanto mais embaraçado vai ficando, mais atraente torna-se a narrativa, que segue ao mesmo tempo aprofundando nas angústias do trio titular. Enquanto um tenta esconder o passado para proteger aqueles que ama, outro almeja se lembrar o que realmente aconteceu quase duas décadas atrás. Além do investigador que quer solucionar o caso dos desaparecimentos contínuos que ocorrem sempre na mesma data.

O investigador

Dentre os três personagens centrais que movimentam a história sempre para a frente, é mais do que necessário destacar o papel do policial de investigação DS Broome, interpretado com muita competência pelo ator norte-irlandês James Nesbitt, que fisicamente é muito parecido com o ator americano Titus Welliver.

James Nesbitt apresentou um personagem que poderia fazer o papel do típico investigador que já trabalha faz tempo na força policial, cansado e irritado, que não consegue caminhar lado a lado com os novos tempos e suas mudanças dentro do sistema de trabalho. No entanto, observamos que com o avanço da trama vão aparecendo nuances muito bem-vindas que só aproximam o assinante da plataforma Netflix desse suspense dramático.

Particularmente, vemos no capítulo derradeiro de Fique Comigo, aquele que figura como o momento mais marcante do ator de 56 anos de idade em cena. Ao lado da atriz Sarah Parish, que faz o papel da gerente da boate Lorraine, presenciaremos o mundo do investigador ruir diante de seus olhos, enfraquecendo seu espírito; mas que ainda encontrou forças para resistir, e novamente sentir o baque de ter que testemunhar o fim de um sonho que resgatou o melhor que havia dentro dele. Simplesmente devastador.

Feminino deformado

Apenas quando nos aproximamos da parte final desta primeira temporada de Fique Comigo que percebemos qual era o objetivo intencionado.

Claro que podemos afirmar que desde os primeiros momentos desta parte introdutória, soubemos da relação tóxica do fotógrafo Ray, papel do galã Richard Armitage, para com sua paixão do passado Megan.

Contudo, só sentiremos todo o impacto pretendido no oitavo e último episódio, quando a série resolve argumentar de modo definitivo qual é o resultado da violência masculina no íntimo da mulher.

Repetindo outras produções, como por exemplo: O Homem Invisível (2020) de Leigh Whannell; Noite Passada em Soho (2021) de Edgar Wright; além da série espanhola da Netflix O Inocente (2021), que do mesmo modo como Fique Comigo, também é baseada em uma adaptação literária de Harlan Coben.

É prático afirmar que esta série britânica não dispõe dos mesmos predicados vistos no longa de Leigh Whannell, ou mesmo na brutal e tensa narrativa de O Inocente, ainda assim, tem a sorte de ter no elenco alguns atores que se mostraram capazes de elevar o patamar deste enredo que transitou competentemente pelo mistério, mas que mirou uma reflexão que continua relevante nos dias atuais.

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