Críticas

40ª Mostra de SP | Crítica: Axé - Canto do Povo de Um Lugar

Quem, no inicio dos anos 90, não cantou: “Eu queria ser uma abelha para pousar na sua flor/Haja amor, haja amor (…)”. Ou aquela outra: “Vamos abrir a roda/enlarguecer (…)”. Esses versos são uma pequeníssima amostra do que pode ser visto e, principalmente, escutado no documentário Axé – Canto do Povo de Um Lugar, realizado pelo diretor baiano Chico Kertész, sobre este estilo musical brasileiro que até o inicio dos anos 2000 esteve entre os primeiros nas paradas de sucesso musicais.

Chico se propôs a fazer uma coisa muito complicada, mas que ao final conseguiu realizar de modo satisfatório: um documentário sobre como surgiu e se desenvolveu o estilo musical axé no Brasil. Recheado de imagens de arquivos – tanto particulares, como de veículos de comunicação – o longa de Kertész mostra desde os primórdios do estilo musical tocado em cima dos primeiros trios elétricos valvulados, cujo som não era dos melhores, até as mais recentes personalidades desse estilo musical baiano, que atualmente são Ivete Sangalo e Saulo Fernandes.

Kertész, que também é roteirista do longa, começa questionando seus entrevistados sobre a paternidade do estilo. Praticamente, cada um dos que aparecem na tela dizem um nome diferente, até que Caetano Veloso dispara: “Luiz Calda, com certeza, foi o primeiro filho”. Pelo jeito, o padrinho de batismo foi Caetano. Assim, Kertész, de personalidade em personalidade, escolheu conduzir o seu longa. Desta forma, o documentário vai passando a limpo a história do axé.

Axé – Canto do Povo de Um Lugar mostra os principais cantores e cantoras que conduziam bandas em cima dos muitos trios elétricos e grupos afros existentes em Salvador. Deixa os entrevistados, como Luiz Calda, Gerônimo e Neguinho do Samba, revelarem quais são os ritmos que os influenciaram – como o samba do Recôncavo Baiano, galope sertanejo, entre outros – para tocarem instrumentos e comporem suas músicas. Pela câmera de Rodrigo Maia, o diretor de fotografia desta produção, cada artista foi mostrando o seu estilo e citando os dos outros colegas de profissão e como cada um acabou influenciando o outro e vice-versa. Artistas como Sarajane, Marcia Freire, Carlinhos Brown, Durval Lelis e outros mais fazem parte dessa história.

Quais personagens os ajudaram a chegar onde chegaram, quais foram os discos – LPs e CDs – foram lançados em sua carreira. Em quais bandas e em quais trios elétricos eles cantaram e tocaram desde o surgimento do axé são os principais temas abordados de cada entrevista com cada uma das personalidades musicais. Sem ser em formato de tópico, um entrevistado vai puxando o próximo artista, trio ou bloco – ou tudo isso misturado – a estourar no cenário musical baiano e quais foram as influências e maneiras de se apresentar do novo fenômeno do Axé.

Outras personalidades que rodeiam o cenário são citadas e entrevistadas. Por exemplo, o dono do principal estúdio de música de Salvador, a WR Estúdios, Wesley Rangel, morto em janeiro de 2016, que foi responsável por gravar a maiorias dos grandes artistas baianos e lançá-los para todo o país. Então, compositores, donos de trio elétricos, técnicos de estúdio tiveram oportunidade de falar sobre os artistas citados e mostrados, sobre o mercado e sobre a cultura do Axé.

Porém, sente-se falta dos outros músicos que acompanharam inúmeros artistas como Xandy, Márcio Vitor e Netinho, por exemplo. Os músicos que conseguem ficar várias e várias horas em cima de um trio elétrico, tocando quase que sem parar, embaixo de sol, pouco espaço tiveram neste documentário. Claro que em uma história ricamente realizada por uma multidão de artistas acaba se precisando priorizar alguns em detrimentos de outros. Pode ser por isso que os músicos das bandas não tiveram espaço, mas mesmo algumas estrelas do gênero musical não receberam o espaço que merecem ao longo do documentário. Uma delas, por exemplo, é Margareth Menezes.

Como um documentário que se preze, este é recheado de imagens pessoais, desde fotos até filmes em películas de apresentações de blocos e trios elétricos durante os carnavais de Salvador. Sons de gravações originais são mostrados e deixam claro como mesmo sendo de forma muito simples, os artistas puderam ter seu trabalho levado às multidões. Imagens de filmes pessoais, de entrevistas, de antigos carnavais, de apresentações e de matérias veiculadas nas televisões baianas. Fotografias também pessoais, de divulgação de trabalho, de capas de LPs e entre outras são exibidas por meio da montagem de Denis Ferreira.

Quando se cita um disco, a capa é revelada; cenas de primeiras apresentações de artistas como Daniela Mercury e do grupo afro Olodum são postos na tela para que o espectador possa conhecer e identificar quem e do que se está falando. Esta forma até deixa Axé – Canto do Povo de Um Lugar um pouco didático demais, mas nada que comprometa o longa.

A história do Axé Music é tão rica de personalidades e de histórias que se precisará visitar várias vezes este tema para poder, um dia, quem sabe, se ter a dimensão certa desse fenômeno musical genuinamente brasileiro.

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