Críticas

40ª Mostra de SP | Crítica: Era o Hotel Cambridge

Filmes que se conectam com a realidade. Algumas obras tem a capacidade de conseguir comunicar-se com o momento que estão inseridas. Era o Hotel Cambridge tem o privilégio de ser um desses exemplos, um longa antenado no momento vivido pelo país.

Premiado com o Prêmio do Público de melhor filme brasileiro na 40ª Mostra de SP, o título dirigido por Eliane Caffé acompanha o dia a dia de uma ocupação de um antigo hotel no centro da capital paulista. Ali compartilham o mesmo espaço membros de um grupo de sem-tetos com refugiados vindos de uma série de locais do mundo. Era o Hotel Cambridge faz um registro dessa resistência pelo direito a moradia aliado ao drama de indivíduos que são incapazes de se encaixar numa outra sociedade por uma série de conjunturas políticas e econômicas. Para esses dois grupos o que sobra é o desamparo, captando um espírito de um país que não consegue assegurar os direitos mais básicos de seus cidadãos. Um filme em que a desilusão de um período de crise política, econômica e social é totalmente presente.

Era o Hotel Cambridge não é um filme antenado apenas por falar conscientemente de um tema do presente, mas por conseguir abordar isso de uma forma extremamente contemporânea. O longa se utiliza de um dos mais potentes artifícios do cinema atual: os limites entre o documentário e a ficção, um achatamento total das dimensões ficcionais e do pretenso registro do real. Assim, gira em torno do filme uma sensação de autoencenação, como se o filme fabulasse em torno dos acontecimentos que vive. O que se vê na tela não é a tentativa de dramatização dos conflitos vividos naquela ocupação, mas sim uma maneira de representação de si mesmo, como se esse fato ajudasse a compreender o que ocorre no mundo real.

Dessa forma, o longa não tem a pretensão de ser um quadro mimético da realidade, muito menos de captar essa veracidade, ficando num plano entre essas duas dimensões. A ficção é utilizada para se compreender os fatos verídicos, como se fosse um filtro que facilitasse a explicação de uma conjuntura muito complexa. É válido lembrar que a concepção de Era o Hotel Cambridge partiu de um trabalho conjunto entre Caffé e entre participantes dos movimentos MSTC (Movimento Sem Teto do Centro) e do GRIST (Grupo Refugiados e Imigrantes sem Tetos). Ou seja, essa barreira entre documentário e ficção é fluída desde a criação do longa, em que o real influencia o ficcional e vice-versa.

Assim, é muito interessante como Eliane Caffé coloca a figura de uma cineasta naquela trama, personagem que explicita totalmente essa relação. Como se desde o início causasse a suspensão de seu espectador. Era o Hotel Cambridge não é um filme para o espectador ser absorvido por sua narrativa, mas sempre se lembrar de que o longa fala do mundo real. Desse modo, a personagem da cineasta é um corpo estranho naquela ocupação, na procura por representar pessoas que ela pouco conhece, a intelectual presente ali também é uma estrangeira, também é uma desamparada.

Com isso, Era o Hotel Cambridge é um filme construído de forma intencional para conectar-se com a realidade, um longa que por essa sua consciência consegue ser extremamente necessário para entender as relações sociais do Brasil atual.

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