O que se esperar de um filme que traz em seu título a informação que filmará o dia mais feliz da vida de um boxeador? Nas cabeças moldadas por um cinema esportivo visto e revisto, logo vem a mente a imagem daquele último golpe que confere ao azarão a chance da grande glória.
Não, o filme finlandês destaque nessa 40° Mostra de SP é totalmente oposto a essa visão. Marcado muito mais por uma visão romântica da vida comum, do que da idealização da glória esportiva. O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki narra o período em que um boxeador finlandês se prepara para sua primeira grande luta, podendo ganhar o título mundial. No entanto, é nesse mesmo momento que Olli Mäki começa a se apaixonar por Raija, e sua cabeça fica divida entre o amor e a luta.
Dessa forma, o filme mostra justamente as diferenças entre esses dois aspectos da vida de Olli Mäk. Como algo que seria o grande momento de sua carreira torna-se secundário diante da descoberta do amor. Todavia, a película não faz disso um ponto de extrema dramaticidade, muito menos segue por um caminho senso comum do romance. O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki se compromete a fazer um retrato mais sóbrio e até divertido, sem deixar de lírico, em relação àquela trama, onde a história é construída através de uma bonita sensibilidade.
Assim, o longa vai mostrando a vida de treinos de Olli e como aquela rotina transforma-se em algo enfadonho enquanto só consegue pensar em Raija. Mas no mundo desse protagonista, muito mais parecido com o real, a vida não precisa ter reviravoltas para ser tocante ou interessante, é como se o amor de sua vida e o estivessem e continuassem num lugar seguro, Olli não precisa abrir mão de nem de Raija nem do esporte, há apenas uma dissonância entre esses dois mundos. O tédio que o protagonista tem pelo boxe ocorre quando Olli desencontra-se com Raija, como se os dois estivessem inteiramente ligados. O interesse por O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki ocorre exatamente pelas rumos comuns que aquela trama toma.
A simplicidade é a marca registrada do longa, e é interessante como essa condição está sempre ao lado do rebuscamento, contendo algo que não se encontra na maioria dos filmes. Filmado totalmente em 16 milímetros, aliado a uma câmera que parece estar sempre colada e acompanhando seus personagens, o filme em sua forma e conteúdo poderia muito bem estar há algumas décadas atrás num apanhado de obras da Nouvelle Vague, aproximando-se de trabalhos como o de Eric Rohmer e até mesmo de François Truffault.
Assim, a simplicidade narrativa e fílmica de O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki não significa um despojamento estético. Pelo contrário, a forma e a mise-en-scène concedem um frescor único, até mesmo no cinema de arte do qual faz parte. É notável como o filme emprega planos sequências que o espectador mal repara, não utilizando a longa duração dos planos para evidenciar todo artifício do filme através de movimentos mirabolantes, muito menos utilizando este fato a fim de fazer um estudo do contemplativo como se faz em muitos longas atualmente. Esse estilo conhecido como encenação do invisível, não chama atenção para si e apenas realiza movimentos e enquadramentos em função do universo da trama retratada, é o mundo de Olli que constrói o trabalho da câmera e não o contrário.
Dessa forma, momentos de extremo lirismo surgem de forma repentina, como se fossem frutos de um miraculoso registro de um instante de espontaneidade. Por exemplo, no momento em que Olli está numa espécie de retiro na pequena cidade de Raija, e no meio de uma andança por uma floresta, o protagonista entra desnudo e tranquilo num lago, realizando um dos planos mais bonitos dessa Mostra Internacional, unindo simplicidade e lirismo.
O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki não precisa de um final redentor, muito menos de Olli Mäki recebendo o cinturão nos de uma multidão, enquanto recebe o beijo de sua donzela. O filme finlandês é antítese do romance e do filme esportivo por excelência, e nessa sua condição acaba captando a sensibilidade invisível presente nos momentos mais simples da vida de Olli Mäki.