Críticas

Crítica | A Bruxa

Definitivamente há uma promissora safra do gênero do terror no cinema atual, marcado principalmente por estreantes na direção, como os ótimos Corrente do Mal (2014) e Boa Noite, Mamãe (2014), além de mais algum exemplos. E agora chega aos cinemas brasileiros o longa A Bruxa, vencedor do prêmio de direção no Festival de Sundance do ano passado.

Sem gerar grandes expectativas, pode ser que o cinema atualmente vive sua terceira grande onda do cinema de terror, a primeira na década de 30 com os clássicos da Universal, a segunda nos anos 70 com Carpenter, Wes Craven e companhia e talvez agora esse terror independente que busca fugir do que estamos acostumados a ver, realizando obras extremamente maduras e assustadoras.

E A Bruxa, de Robert Eggers, é um exemplo perfeito desse momento fértil do cinema de gênero. E pensar que nos anos trinta era o gótico que ditava esse gênero, e nos férteis anos setenta o horror torna-se muito mais real, agora o gênero busca uma mistura entre o macabro e o psicológico, um campo onde o medo transforma os fatos em assombrações. Dessa maneira, é interessante notar que Eggers faz quase um conto mítico do medo nas raízes dos EUA, aqui não há castelos mal assombrados, ou serial killers buscando sua próxima vítima, mas sim um conto de uma época pouco explorada no cinema.

A Bruxa situa-se no período de colonização dos EUA, mostrando a trajetória de uma família de imigrantes extremamente religiosos que é expulsa de sua colônia, sendo obrigado a conviver com o ainda desconhecido novo mundo. Com isso, o terror em A Bruxa é baseado em dois fatores, o medo do desconhecido, o pavor dessa nova terra, representado pela floresta vizinha da nova casa da família; além da culpa vinda do fundamentalismo religioso, na qual esses personagens acreditam serem fadados ao pecado e tentados a todo o momento pelo mal.

Esses dois fatores psicológicos e como se deixassem aquela família suscetível ao sobrenatural, como se medo e a culpa fossem a porta de entradas para o macabro, ou que esses sinais de outro mundo são frutos de um medo que cega, que não deixa perceber a realidade. E assim, o filme tenta colocar o espectador nesse mesmo patamar que as figuras de sua narrativa, apostando num terror muito mais sensível do que visível.

Um longa que não precisa apelar para sustos fáceis e imagens prontas, mas que pede para seu público ter medo e como os personagens complementar o que está sendo visto. A câmera de Eggers não necessariamente mostra o horror, mas em cada plano é sentido o medo, por mais banal que seja a situação, como um simples jantar ou a atividade de cortar lenha.

E isso acontece através de um excelente trabalho de construção de atmosfera. Envolvendo um trabalho de fotografia que ressalta as sombras nas relações familiares, e a alternância entre momentos com grande utilização da música para criar suspense, e ocasiões em que o silêncio é utilizado de maneira mais angustiante ainda, onde se pode ouvir até os estalos das chamas das velas, deixando o ambiente com um ensurdecedor silêncio, na qual qualquer ruído pode vir a ser mais uma prova da maldição que assombra aquela família.

Além disso, o estreante diretor é perspicaz ao colocar sua câmera junto da família, o espectador não está numa posição privilegiada, mas sim testemunhando os acontecimentos junto dos personagens, os planos de Eggers causam uma identificação psicológica tão forte com aquela família, que é como se o público também estivesse sendo amaldiçoado.

E sem apostar num terror fácil, as únicas pistas dadas aos estranhos acontecimentos vistos desde o início da projeção é baseada num simbolismo, que explora toda a cultura daquela época. O medo daquela natureza que estaria inteiramente ligado ao sobrenatural e ao maléfico é visto na forma da floresta, do coelho enigmático e principalmente no bode negro da família, elementos que trazem uma aura ainda mais enigmática ao longa. É esse enigma aliado com a paranoia alimentada desde o início de A Bruxa que se faz pensar se todo aquele pavor seria de fato real.

O filme, dessa forma, explora muito bem esse imaginário que permeava os EUA no momento de sua colonização, fazendo com que até mesmo o espectador, séculos depois, seja capaz de acreditar na existência de bruxas. Assim, A Bruxa é felizmente mais um exemplo do bom momento do cinema de horror, um filme que trabalha muito bem com a criação de uma atmosfera amedrontadora para poder se soltar dos clichês atuais do gênero, realizando uma obra madura, que investe num simbolismo, numa mitologia americana pouco explorada e num horror que mescla o sobrenatural com o psicológico.

A Bruxa, assim como seus contemporâneos, tem tudo para serem clássicos do horror modernos.

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