Críticas

Crítica | A Criada

A Criada, em um olhar menos atento, pode parecer um simples melodrama com um quê erótico. No entanto, o filme é uma espécie de chave que desconstrói a imagem do romance aristocrata com seus jardins e palacetes, despindo toda uma imagem que cerca esses conceitos para mostrar todo impulso que move as personagens do filme, penetrando-se nos confins de um mundo que guarda profundos segredos.

Vencedor do Prêmio do Público de melhor filme internacional na 40ª Mostra de SP, A Criada é um filme de simulações. Uma obra que se faz de simples melodrama, que se preza a construir uma imagem que remeta a outra época não somente na sua concepção visual, mas na forma de demonstrar os pensamentos de suas figuras, para depois revelar toda sua construção, demonstrando o que de fato move e gira aquele universo, num espiral sexual de reviravoltas.

O longa em sua primeira parte pode ser descrito como um melodrama em torno de uma conspiração, o filme acompanha a história de Sooke, uma criada contrata para cuidar de Hideko, uma reclusa aristocrata, no entanto, os verdadeiros objetivos daquela empregada é ajudar um falso conde a seduzir, enlouquecer e roubar aquela aristocrata, até que as duas se veem envolvidas amorosamente.

Nesse primeiro instante, A Criada possui tudo o que o gênero requer. A relação entre senhor e servo; o palacete que se configura como mais um personagem, obrigando todas as figuras da trama a conviverem num mesmo ambiente; a questão do fruto proibido, aqui na figura do romance e da atração entre as duas mulheres, que somente se satisfazem entre as cortinas e janelas fechadas; e por fim mas não menos importante, os símbolos que concedem um tom de mistério e perigo àquela trama, como o misterioso tio de Hideko, que oferece uma ponta do que há nos confins daquela casa, figura dotada de um mistério que afasta as duas protagonista.

Nesse hábil jogo de signos, o filme constrói um balé de representações, uma simulação constante reveladas na reviravolta da trama. Como em praticamente todos os longas de Park Chan-Wook (Oldboy), a solidez se dissipa revelando um mundo diferente do que se imaginava. A segunda parte de A Criada consiste em revelar as reais intenções das ações vistas minutos atrás. O longa constrói uma nova perspectiva para tudo que é visto, trazendo um novo olhar para aquela história, mostrando que nada era como se pensava, A Criada não é um mero melodrama.

E o sexo que parecia apenas a superfície da trama naquele momento, quase uma consequência dos atos em cena, torna-se o centro de tudo na segunda parte da narrativa. Esse impulso carnal e primitivo é o que move todas as ações dos personagens, é ele que define quais serão os percursos de cada um, quem continuará atuando num jogo de encenação e quem será enganado, em A Criada o sexo elege seus heróis e seus vilões.

Nesse segundo ato da trama, a simulação não ocorre mais em relação ao espectador, mas sim entre os personagens. O sexo passional entre Sooke e Hideko representa a veracidade, o restante é pura encenação. Esse jogo cênico não está apenas na narrativa, mas na forma que essas relações são retratadas, por exemplo, quando Hideko tem seu corpo beijado pelo Conde e a câmera está num close no rosto da moça, ela demonstra prazer nesse momento. Chan-Wook emprega, então, um zoom-out, e quando a câmera sai do rosto da da personagem, ela começa a demonstrar que só estava fingindo, possuindo apenas alguma outra intenção com aquele homem. O trabalho virtuoso do cineasta em A Criada consiste em fazer com que o espectador seja envolvido e depois suspenso nesse jogo de simulações.

A Criada é cima de tudo um jogo semântico, um filme que atribui diversos significados a um mesmo significante. É o instinto sexual que revela a verdadeira face das figuras presentes na trama, um longa que se revela extremamente interessante por brincar com esse jogo de encenação constante.

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