Críticas

Crítica | A Maldição da Casa Winchester

A Maldição da Casa Winchester tem uma série de elementos que constituem o cinema de gênero, mesclando aquilo que sempre foi código do terror e também aquilo que faz sucesso hoje em dia. Algo que a primeira vista poderia ser um grande elogio, mas na verdade mostra que essa não é uma equação tão simples e demonstra, na verdade, certa indecisão desse filme na sua inserção no gênero.

O longa narra a história de um médico contratado para fazer uma avaliação psicológico de Sarah Winchester (Helen Mirren), a dono da famosa fábrica de armas americanas, que sempre disse ter a companhia de espíritos na sua mansão. Ao chegar ao local, Dr. Eric Price (Jason Clarke) percebe que a mansão trará muito mais desafios que ele imaginaria, começando pelo sobrinho neto da madame e sua sobrinha, que parecem terem noites e noites de pesadelo após um falecimento de um ente próximo. O Doutor terá então que desafiar seus próprios problemas pessoais para conseguir discernir a verdade naquela casa aparentemente amaldiçoada.

É até curioso perceber que tanto nessa premissa quanto na apresentação daquele universo existam boas ideias em A Maldição da Casa Winchester. Algo que indica que o espectador será jogado numa trama entre a realidade, o ilusório e alguma abertura para o sobrenatural no embate entre esses dois mundos. O longa até mesmo começa com o protagonista ingerindo ópio, ou alguma substância alucinógena da época (passagem do século XIX para o XX) e um discurso do personagem sobre o medo vir daquilo que não se conhece e propiciar a crença no absurdo justamente por isso. Ao que tudo indica esse limite seria o ponto principal do longa.

Da mesma forma a ambientação do filme parece diferenciar-se, remetendo a um estilo neogótico, fazendo com que os cenários e o clima referenciem-se àquilo que fora descrito por Mary Shelley, Edgar Alan Poe e H. P. Lovecraft, fazendo parcialmente um arranjo visual que remeta ao terror de outra época, dos anos 1960 e o trabalho com o imaginário gótico e suas possibilidades. Há um preciosismo ao retratar a casa, em ótimos planos aéreos, evidenciando aquela mansão como um verdadeiro labirinto, onde não parece haver uma saída clara. Algo igualmente retratado pelos irmãos Spierig (Predestinado, Jogos Mortais: Jigsaw) quando mostra o interior daquele local, cheio de corredores com quartos interditados, um local específico para a loucura.

Até os quinze minutos de projeção tudo indicaria um bom filme de terror, mas as ideias dos diretores e roteiristas sustentam-se apenas nesse pequeno início. A Maldição da Casa Winchester começa a se mostrar um filme confuso, onde seus pontos parecem não coabitarem, provocando um ruído enorme dentro das suas próprias propostas, tudo que antes parecia interessante mostra-se na verdade como pontos não desenvolvidos ou mal trabalhados.

Se em Jogos Mortais: Jigsaw os Spierig saiam-se relativamente bem ao assumirem uma franquia já cansada, aqui os diretores demonstram como essa inserção num cinema de gênero completamente comercial faz com que eles abram mão de todas suas ideias citadas para suprir necessidades da moda industrial no terror. Seria prazeroso ver um cineasta que conseguiria unir o estilo romântico e gótico dos filmes sessentistas com o poder do susto e da montagem assustadora dos comerciais modernos. Mas o que se vê aqui é como há apenas uma subserviência a algo que já vai sendo reproduzido ao cansaço em filmes de terror.

Curioso como isso poda as próprias pretensões do longa, como aqueles planos milimetricamente pensados no início não combinam com a montagem rápida, os altos efeitos sonoros e a fotografia escura que privilegia o jumpscare. Sem contar com a fraca aparição de monstros que representariam os espíritos daquela trama, se o filme parecia tratar de uma indução entre realidade e fantasia, aqui abre a mão de tudo para escancarar figuras pretensamente horripilantes, que no minuto seguinte só parecem algo mais próximo da feiura do que referente ao medo.

Pouco a pouco as ideias apresentadas vão sendo abandonadas no restante da narrativa. O roteiro escrito pelos diretores e por Tom Vaughn deixa de focar numa espécie de jogo psicológico que parecia colocar uma simulação entre médico, a mãe e o filho, sob os olhos mediúnicos/insanos da mandatária da casa, para fazer um filme de espírito comum, onde todos tem que sobreviver a grandes ameaças sobrenaturais. Qualquer possibilidade de diferenciação em relação ao que se vê no cenário se perde, e A Maldição da Casa Winchester torna-se mais um filme genérico, mas por causa dessa indecisão, começando de uma forma e tornando-se outra, faz com que a narrativa tenha um terceiro ato marcado por explicações exageradas, revelações que provariam que o herói deveria estar ali e surpresas que só funcionam com a utilização de inesperados e ineficientes flashbacks.

Essa indecisão em relação a como conduzir essas ideias promove pontos fracos em todas as esferas. Como a própria caracterização dos personagens, o desenho de produção e as falas do roteiro. O diálogo com aquele estilo gótico se enfraquece de imediato, fazendo figuração em elementos que buscam apenas reproduzir filmes como Invocação do Mal (grande paradigma desse cinema comercial), os personagens surgem afetados, como o mordomo que parece ter saído de Família Adams, e diálogos que beiram o risível pela sua improbabilidade.

Até mesmo o elenco fica irreconhecível com nomes promissores como Jason Clarke (interessante em Mudbound), ou figuras extremamente experientes como Helen Mirren que dispensa apresentação. Ambos são marcados por uma performance surreal, sempre afetada, nunca muito crível e pouco naturalista. As falas são marcadas e nenhum diálogo transparece espontaneidade como se os próprios atores fossem incapazes de acreditarem naquilo que representam. Tudo fruto de uma obra que nasce de ideias incertas.

Sobra ao filme uma última cartada, colocar que tudo aquilo foi baseados em relatos da época, fazendo com que o filme conecte-se com realidade. Algo que em todos os casos pode ser considerado um golpe baixo, aqui ainda mais, uma vez que em toda sua duração o filme foi incapaz de fazer com que o terror chegasse ao seu espectador, em nenhuma de suas ideias. A Maldição da Casa Winchester só se mostra mais um título bem ruim no meio de tantos outros.

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