A indústria cinematográfica brasileira está habituada a produzir filmes de comédia que seguem uma fórmula muito usual, por exemplo, filmes como o recente Não se Aceitam Devoluções – estrelado por Leandro Hassum – têm somente a função de entreter o público. O objetivo desses não é o de criticar algo ou gerar qualquer tipo de questionamento na sociedade. Entretanto, há alguns longas-metragens, como o também recente Boas Maneiras – dirigido por Juliana Rojas e Marco Dutra – que além de entreter, traz em sua narrativa apontamentos sociais relevantes. O filme Além do Homem pode ser incluso nesta segmentação.
Em seu primeiro filme de longa-metragem o diretor Willy Biondani conta a vida de um ganancioso escritor brasileiro chamado Alberto (Sérgio Guizé) que mora em Paris há anos e faz de tudo para negar suas origens brasileiras. Porém, como ironia do destino, ele é convencido pelo seu sogro a viajar para o interior de Minas Gerais e escrever sobre o misterioso desaparecimento de um antropólogo muito famoso.
A película tem como ponto de partida a vida de Alberto em Paris; vemos sua namorada, seu sogro e poucos minutos depois, a decisão de vir ao Brasil. Já neste ponto é perceptível a mudança sensorial da narrativa, que sai de uma fotografia fria (tons azulados) nas cenas em Paris, para uma iluminação quente (tons alaranjados) já no estado de Minas Gerais. Ao chegar em terras tupiniquins, o ambicioso escritor encontra Tião (Fabrício Boliveira) um personagem caricato que traz consigo a famosa “alegria de ser um brasileiro”, algo que incomoda Alberto, que não compreende como alguém pode esbanjar tanta felicidade vivendo em uma cidade tão precária de recursos básicos. Tião, assim como os outros personagens que surgem na vida de Alberto, provocam grande irritação e, para deixar a cidade logo, o escritor decide tratar como lenda toda essa baboseira de antropólogo perdido. No entanto, é impedido de deixar o povoado e passa a conviver com os cidadãos que ali habitam. Todo esse processo faz com que Alberto redescubra a sua identidade brasileira.
Com diálogos inteligentes e bem humorados, Além do Homem surge em uma época na qual muitos brasileiros questionam de fato “o que é ser brasileiro? ”. Alberto não se vê como semelhante a qualquer um que vive naquela quentura de região, mas sim, considera todos “loucos”, ele prefere acreditar que é muito mais próximo aos parisienses do que aos brasileiros. O discurso do escritor é civilizatório. Com isso, a cada encontro com os personagens brasileiros Alberto é levado a questionar os seus conceitos já estabelecidos e enxergar em si uma crise. É através de seus sonhos, enquanto dorme, que o filme mostra essa luta interna do personagem.
De forma sucinta, entendemos que o longa quer questionar o seu público sobre a falta de acolhimento que há no Brasil, e o personagem principal representa todos aqueles que não conseguem mais valorizar o que é tido como cultural de todo brasileiro: a afetividade do povo. Devido a sua vida fora do país, Alberto se tornou uma pessoa “fria” – representado pela fotografia em Paris – e precisou voltar a sua terra natal para reaprender a ser caloroso.
Além do texto bem desenvolvido, os aspectos técnicos deixam a leitura do filme ainda mais interessante. A fotografia, a trilha sonora e o figurino possuem propósitos e, conforme o filme avança, mais notável são essas características. Durante os sonhos alucinantes de Alberto, a fotografia cria uma luz não natural que realça o tom de delírio; a trilha sonora se difere quando em Paris e quando no Brasil; o figurino de Alberto (terno branco) se destaca entre os cidadãos do povoado. Ao destacar estes elementos o diretor cria uma experiência diferente ao público, o mesmo afirma que “o filme se propõe muito mais a ser uma experiência sensorial do que ter uma narrativa convencional de cinema”.
Por fim, Além do Homem é um filme que consegue de forma efetiva trazer à tona um tema muito atual, levando o seu público a questionar onde é que foi parar todo o calor de um povo que, mesmo às avessas, antes conseguia olhar para o outro com respeito. Fazendo com que ao final da sessão cada um se pergunte afinal, “O que é ser brasileiro? ”.