Alien: Covenant, sequência do injustiçado Prometheus (2012), começa num diálogo entre o androide David (Michael Fassbender) e seu criador Peter Weyland (Guy Pearce), logo quando o robô perfeitamente humano acabou de ser construído. Naquele prologo encontra-se a chave para tudo que o novo longa de Ridley Scott almeja ser, dentro de suas pretensões proto-filosóficas, e também de uma obra de milhões de dólares que não se esforça para ser um blockbuster comum.
Nesse diálogo inicial, ambas as personagens estão numa grande e suntuosa sala, uma imponência inquestionável encontra-se ali (e desde o primeiro plano a força da direção de arte característica do trabalho de Scott já surge), o quarto possui uma gigantesca estátua de Davi, um piano de cauda e uma vista para a força da natureza. Weyland de uma forma bem clara mostra a David qual é seu papel no mundo, qual é a sua missão, fato é, que como qualquer criador, a criação daquele homem é sua imagem e semelhança, o androide traduz os desejos mais íntimos do cientista; por mais que assuma o papel de pai, David é um reflexo do homem. A escultura de Michelangelo presente na cena é a tradução perfeita de um homem que conseguiu reproduzir em uma pedra toda a anatomia humana. Se Prometheus era um filme sobre a obsessão de encontrar o criador, Alien: Covenant é sobre o homem e seu desejo por ser deus. Por fim a cena termina com Wagner, a apoteose está completa.
O filme salta anos e efetivamente começa na nave que colonizará algum planeta com características como as da Terra. Depois do sono criogênico a tripulação já tem um primeiro susto, um incêndio com terríveis consequências, um prelúdio aterrorizante para o que vem a seguir naquela jornada espacial. A trama de Alien: Covenant desenrola-se após essa nave receber um sinal, uma música terráquea, vinda de um planeta distante, atraindo a tripulação imediatamente para aquele lugar. Os cosmonautas descobrem um lugar não afeito a vida, mas sim ao terror.
Nessas duas cenas mencionadas e na premissa de Alien: Covenant há uma clara noção de tom na obra de Scott, uma transição entre a pretensa mitologia existente em Prometheus e o suspense claustrofóbico e visceral de Alien: O Oitavo Passageiro (1979). Alien: Covenant, narrativamente, encontra-se exatamente entre as duas obras citadas, ainda que seja evidente a falta de um capítulo para conectar toda a cronologia do Alien. Porém, o que salta aos olhos é a compreensão do cineasta em transitar nesse mundo que parecia uma jornada de descoberta para um filme em que a tensão é o que dita às regras.
No novo longa da série, ainda existe uma forte preocupação em desenvolver a mitologia daquela criatura, ampliar o universo de uma personagem que poderia ser considerado apenas um monstro de filme de terror. Alien é muito mais profundo que isso sem deixar de ser amedrontador. Quando a nave pousa naquele planeta logo é recebido por uma criatura horripilante, ainda não um xenomorfo, mas algo muito parecido. Parte da tripulação, entre eles Walter – outro androide interpretado por Fassbender – e Daniels (Katherine Watertson) são resgatados por David, ali já nascem algumas dinâmicas bastante interessantes.
A primeira, o encontro entre os dois androides, mais uma vez a figura dos reflexos, da semelhança entre a criação e seus criadores, partilhando dos mesmos medos e dos mesmos questionamentos – uma analogia com o próprio ser humano, Walter entende sua natureza quando encontra seu reflexo e fica ainda mais perto de seu criador. Outra figura bastante intrigante é a representação de David como um ermitão, alguém que se isola para estudar a fundo algo a sua escolha. No caso deste androide, essa espécie de Alien e suas diversas mutações é seu objeto de estudo, buscando compreender qual sua forma mais potente, nem que para isso seja necessário as mais diversas e cruéis experiências, cruzamentos e mutações. O desenho das configurações genéticas do Alien é fruto de David, que utiliza sua consciência praticamente humana provinda de seu criador, Alien: Covenant chega para mostrar que a crueldade daquele xenomorfo é produto da natureza humana e suas diversas experimentações, é a resultante do processo quando o homem coloca-se no lugar de deus.
Nesse longa configura-se, então, um novo antagonista, muito mais complexo que uma criatura sedenta por sangue, um personagem que constrói um plano tão engenhoso que garante o terror para muitas outras gerações – como a da própria Ripley. Nessa criação de um grande vilão para toda série Alien, Michael Fassbender é o interprete perfeito, e se em Prometheus já roubava a cena, aqui se torna o centro das atenções. Gélido, frívolo, há na atuação de Fassbender uma tentativa de dissimulação, como se demonstrasse a tentativa constante de um robô em interpretar um ser humano, como se cada passo daquele personagem fosse completamente programado, calculado. A atuação do alemão é extremamente matemática, conferindo a David a forma exata de um grande vilão do cinema.
Após os planos de David e o aprofundamento na mitologia da série, Alien: Covenant torna-se um filme de suspense muito parecido com O Oitavo Passageiro, ainda que menos intenso. Aquela orquestra de David resulta no medo em sua forma mais pura, assim como o primeiro filme da saga, e o espectador é convidado a partilhar das mesmas sensações que o restante daquela tripulação, principalmente Daniels, sentem. O longa torna-se um exercício de gênero, Scott volta a realizar uma obra com grande carga de suspense, algo que o diretor se dá muito bem.
O medo é extraído do silêncio, em uma perseguição constantemente silenciosa, onde os perseguidos não sabem ou não veem o perigo que se aproxima. Cautelosamente construída, a tensão de Alien: Covenant não é baseada em sustos fáceis, mas na precisão de um cineasta experiente e eficiente no seu trabalho de câmera e de corte, que sabe o que mostrar e o que deixar para imaginação do espectador, para, assim, construir o medo e surpreender com o sangue que vem à tona.
O último terço do longa, completamente sangrento e violento, traz o resultado daquela obsessão pelos enigmas dos engenheiros em Prometheus, demonstra essa destruição presente no poder do homem como deus. Mais uma vez toca Wagner, mas agora apoteose transforma-se numa sinfonia da necrópole, onde o seu ato final só pode ser o medo primordial presente naquele filme de 1979. Ainda falta um longa para a conclusão da série já consagrada, mas com certeza Alien: Covenant é um capítulo essencial.