Críticas

Crítica | Annabelle 2: A Criação do Mal

Há pouco tempo, um artigo estrangeiro classificava um novo tipo de terror, que teoricamente não se alinharia às convenções do gênero, algo chamado e difundido como o pós-terror. Ali, em algo que parece afastar obras como A Bruxa, Corra!, Corrente do Mal, entre outras, do cunho de cinema de horror, o que se revela é um certo preconceito com o gênero, uma vez que possuindo algumas qualidades estéticas e temáticas esses longas seriam pós-terror, algo acima ou diferente desse cinema de horror.

Talvez o pós-terror exista desde Nosferatu, de F.W. Murnau em 1922, todavia se algo de interessante havia naquele artigo, é o fato do público – com exceção de Corra! – não comprar, literalmente, a ideia dessa nova geração de horror. Um público que reclama pela falta de sustos, pela enganação dos trailers, que prometem um terror mais direto, enquanto esses longas entregam algumas subversões no quesito do tema, da atmosfera e do desenvolvimento. Talvez mais interessante do que seccionar um gênero em algo como alta e baixa cultura do terror, seria bastante interessante perceber o embate constante que esse gênero sofre com a relação mercado/público e as concepções de realizadores.

Annabelle 2: Criação do Mal, filme em questão deste texto, com certeza não se enquadraria no chamado pós-terror. Pelo contrário, ele seria o contraponto perfeito dessa cultuada nova geração. Annabelle 2 faz parte do universo criado pelo longa Invocação do Mal, obra de James Wan, sendo a sequência do spin-off dessa obra originária. O longa passa a investigar como a boneca Annabelle foi de fato se tornar um objeto dominado mal. O que é sentido ao longo dessa produção é o peso da franquia, de realmente parecer pertencente de uma marca. Como se fosse um produto de uma rede de fast food, que todas as opções possuem o mesmo sabor.

É sentido ao longo do filme essa necessidade industrial, essa obra que possui o objetivo bem claro de, mais uma vez, levar inúmeros espectadores à sala de cinema. Assim, tudo que gira em torno de Annabelle 2 faz referência a esse sistema mercadológico bem marcado, como se o longa seguisse uma série de exigências tanto por estar inserido na franquia de Invocação do Mal, quanto por ter que confirmar seus indicadores de bilheteria. Nesse check list de fatores que o filme deve possuir, Annabelle 2 revela seu sistema de padronização.

O longa é ambientado na casa de uma família que perdeu sua pequena filha de forma trágica. Anos mais tarde, o casal decide fazer de sua residência um lar para garotas órfãs, abrigando uma série de meninas e uma freira, inclusive duas irmãs inseparáveis, uma delas com uma série de problemas de locomoção devido a uma poliomielite. No local, as garotas começam a perceber uma estranha presença que habita o quarto da falecida garota, que às vezes toma o corpo da própria criança e às vezes da famosa boneca.

Se a sinopse pode conter um tom bastante genérico, também é a grande potência do longa, porque apesar dos pesares Annabelle 2 possui algumas virtudes. É bom lembrar, que o melhor do terror surge na forma como os filmes conseguem lidar com os clichês, com imagens já assimiladas pelo público. Aqui no filme dirigido David F. Sandberg (Quando as Luzes Se Apagam) e escrito por Gary Daubermann (do primeiro Annabelle) há toda uma preocupação com a casa daquela família; o quarto de bonecas da filha falecida (a melhor sequência consiste quando os diversos brinquedos vão ganhando vida sozinha aterrorizando as crianças do local); a esposa da família imobilizada numa cama e que utiliza uma máscara de madeira em parte do seu rosto; e as próprias garotas, sozinhas no mundo, educadas num meio religiosos que devem lutar com um mal totalmente oposto daquilo que conhecem. Figuras interessantes, que cercam o filme de mistério, suspense, terror e a força empática para adesão do público.

A grande questão que fica é como essas figuras, esses códigos do horror se relacionam com o essencial do filme. A resposta parece ser apenas uma manutenção do próprio produto como hegemonia nos filmes de terror, seja naquilo que dá certo, seja em garantir a sobrevivência de sua franquia. Por exemplo, há no filme uma easter egg sobre A Freira, o próximo spin off da franquia, algo totalmente descartável no longa, apenas para aguçar a curiosidade do público. Ou também, um plano sequência em que o diretor localiza o espaço daquele orfanato, num trabalho de câmera extremamente semelhante ao que fez James Wan no primeiro Invocação do Mal, como se realmente houvesse um selo identificando, formalmente, Annabelle 2 como um produto da mesma marca.

Assim, como uma obrigação, o longa vai se rendendo aos clichês, tudo vai tomando uma forma bastante conhecida, vista da mesma maneira em tantos outros filmes – como em todos da franquia. O medo que girava em torno da figura da boneca e da criança, agora se associa à aparição de um monstro, de pele preta, grandes presas e todo gosmento, uma figura como qualquer outra, que evita que o espectador preencha o papel do monstro com aquilo que sua imaginação considera horripilante. Os jumpscare’s surgem aos montes, e o susto, seja por uma aparição visual ou por um enorme ruído sonoro são a única forma de fazer terror encontrados pelo filme. Até nisso é possível encontrar um padrão bem claro: música tensa, cena de perseguição, a personagem para num lugar seguro, a trilha musical cessa, alguns segundos depois vem o susto. Estratégia usada ao cansaço por Sandberg.

Assim, nesse sistema rígido de padronizações, Annabelle 2 diz muito como pensa o terror, e como a indústria conceitualiza o gênero. Na fita, o horror é sinônimo de susto, o medo é um simples pular da cadeira com ruído que parece estourado. Annabelle 2 gira em torno apenas de conseguir pregar uma peça naquele espectador, onde o susto tem fim nele mesmo. O terror não gira sobre uma essência ou sobre algo mais profundo – e aqui não pedindo uma consciência existencial ou algo assim, mas apenas uma relação entre terror e o tema, algo que parece não existir.

A grande prova disso são os minutos finais do longa, onde em pouquíssimos instantes o filme deve explicar tudo, com um diálogo superficial o que ocorreu com a menina morta, a família e a boneca ao decorrer dos anos. Annabelle 2 desperdiça todo seu tempo com sustos, para depois sugerir alguma sustentação narrativa para aquilo que foi visto. É como se o filme do susto e o filme da explicação habitassem dois mundos diferentes, onde um não se relaciona diretamente com o outro. O medo em Annabelle 2 não está ligado a uma estrutura narrativa, ou temática, mas sim a uma série de fáceis procedimentos técnicos – o som alto, a imagem assustadora do monstro que surge rápido na tela, por exemplo.

Annabelle 2 é o perfeito exemplo da ideia do que é um filme comercial de terror, algo pensado por pessoas que listam tendências e exigências a serem repassadas para realizadores. Não há atualmente dois tipos de gênero no horror, mas sim obras que são frutos de um desenvolvimento criativo e outras que só servem para meros e consumíveis sustos na sala de cinema.

Escolha o Streaming e tenha acesso aos lançamentos, notícias e a nossas indicações do que assistir em cada um deles.