As Viúvas chega aos cinemas com todo o peso que um filme de Steve McQueen carrega. Ainda mais sendo o primeiro longa a seguir 12 Anos de Escravidão. Como era de se esperar, embora possa não ser tão premiado quanto foi seu antecessor, McQueen traz uma história emocionante e intrigante com a ajuda de Gillian Flynn. Ambos ficaram responsáveis pelo roteiro que, consciente de sua trama, não desaponta pela maneira na qual resolve guiar o espectador pela história.
A abertura do filme já deve fisgar todo o tipo de público. McQueen mistura cenas de ação frenética, onde revela toda a tensão de um tiroteio em uma perseguição de carros, ao mesmo tempo em que intercala com cenas cotidianas, destacadas pela presença feminina. Ao mesmo tempo que vamos acompanhando a fuga de um grupo de homens, os vemos sem suas diferentes realidades. O mais interessante é como é colocado não só quem são esses homens ali em poucos segundos, mas como é conviver com eles. Nesse pouco tempo, vemos como o elenco teve suas escolhas acertadas e a maior prova disso fica por Jon Bernthal. Com pouquíssimo tempo de tela, por mais que interprete um papel onde já o vimos, Bernthal entrega o que precisa.
É nesse ótimo início também que ganhamos o terreno para entender quem são, de fato, as viúvas. Cada uma delas é apresentada de maneira certeira, mesmo Carrie Coon, que fica mais longe do protagonismo, mas contribui com sua importância para a trama. A partir daí, começamos a seguir uma história que, acertadamente, entrega seus mistérios de forma não linear e não deixa as reviravoltas somente para os últimos segundos do filme. Dessa forma, o todo é aproveitável de forma ímpar, já que o longa respeita a não originalidade de sua trama em si, mas evidencia o que de fato está contanto: a história das personagens de Viola Davis, Michelle Rodriguez e Elizabeth Debicki.
Não obstante, ainda seguimos também uma subtrama de disputa eleitoral. Nela, contamos com as brilhantes atuações de Robert Duvall e Daniel Kaluuya. Enquanto Duvall talvez surpreenda menos devido ao tempo de carreira, Kaluuya mostra mais uma vez que veio para ficar no hall de destaques de Hollywood. Mesmo em papel secundário, o ator consegue explorar todo o seu potencial. Colin Farell também se mostra bem no filme. Na trama principal, Viola Davis é a grande protagonista e age como tal. Seu destaque na atuação poderia ser maior se Veronica não soasse como um papel recorrente em sua carreira. Nada que, de fato, obstrua a atuação de Davis, mas nada que, também, mostre um outro alcance da atriz. Rodriguez também permeia por seu habitual, mas sem tanto brilho. Debicki que ganha a oportunidade de um papel mais interessante para sua carreira. A atriz não desperdiça e aproveita bem a personagem de arco mais interessante, já que Alice vai ganhando cada vez mais força dentro do longa.
Se As Viúvas se destaca por algo, esse algo fica por conta da direção de McQueen. Assim como consegue mostrar bem a dualidade entre a vida dos ladrões e de suas posteriormente viúvas, explorando a edição, o diretor brinca com isso o tempo todo. Todo o momento em que vemos uma relação entre dois gêneros diferente, ela se mostra não estar ali por acaso. Talvez a maior prova disso seja Molly Kunz, ao interpretar a esposa de Farell no filme. Sua posição de “primeira-dama” parece ser um nítido contraponto à tomada de rédea que as viúvas dão as suas próprias vidas após o falecimento de seus maridos. Dessa forma, o longa não se prende só às viúvas, mas em sua somatória de cenas explora também esposas ou mães. Ainda que seja de todo alegórico, o filme parece ser mais expositivo graças ao caráter character driven que assume, disfarçado de story driven.
McQueen também mostra seu potencial de direção com a câmera. Dentre todos, o melhor exemplo acontece em uma cena com Farell. Em uma sequência que é, visualmente, a mais crucial para o desenvolvimento de seu ponto, McQueen nos mostra Farell saindo de um palanque em uma região de menor desenvolvimento de seu distrito. Enquanto a personagem de Farell segue um ótimo diálogo, nós acompanhamos apenas seu carro enquanto a câmera, lentamente vai se movendo da esquerda para a direita. Nesse movimento, vamos deixando de ver o lado mais necessitado do distrito, e passamos a ver do outro lado do carro uma realidade de maior fortuna. Tudo isso em uma cena curta o suficiente para espantar o espectador com o quão perto fisicamente são tais realidades tão afastadas.
Assim, As Viúvas segue a lógica do culto destinado ao diretor, que entrega um belíssimo trabalho. Mesmo que, em algum momento, possa deixar de surpreender o espectador com a trajetória de suas personagens, o filme é um ótimo exemplo tanto de direção quanto de atuação, e explora personagens magníficas, dentro de uma história expositiva que discute gênero, racismo e política, tudo com uma pitada de ação e os elementos mais interessantes dos filmes de assalto tradicionais.