Críticas

Crítica | Benzinho

Desde uma das primeiras cenas de Benzinho, drama dirigido por Gustavo Pizzi, surgem impasses no caminho de sua protagonista, Irene (Karine Teles), esposa de Klaus (Otávio Müller) e mãe de quatro crianças. A personagem, que está acompanhada de seus filhos mais novos, fica trancada dentro de casa e é forçada a sair pela janela de um quarto adjacente. A cena é executada com leveza e humor, mas esse é apenas o começo de uma longa corrida de obstáculos, alguns físicos e muitos deles emocionais.

Não muito diferente do longa anterior do diretor, Riscado, no qual uma atriz, também encarnada (e muito bem) por Teles, fazia de (quase) tudo para ganhar seu pão, Benzinho procura representar com sinceridade o cotidiano de uma mulher que, no papel imposto de mãe, enfrenta uma sobrecarga de sentimentos, tanto positivos quanto negativos. Com um roteiro da autoria de Pizzi e Teles, que foram casados e constituíram uma família além das telas, o filme com certeza se beneficia da dinâmica verdadeira que os dois trazem ao material e se destaca especialmente pela franqueza com a qual são exploradas as inseguranças da personagem central.

O conflito principal, ou pelo menos o incidente incitante para uma série de conflitos, é a iminente partida do filho mais velho, Fernando (Konstantinos Sarris), para jogar handebol na Alemanha. Responsável por cuidar de seus irmãos mais novos enquanto Irene e seu marido trabalham, o filho não deixará apenas saudades para a mãe. Com dificuldades financeiras pairando sobre a família, a oportunidade que o rapaz tem de seguir seu sonho em outro país representa uma possibilidade de uma maior renda futura, porém também acarretaria uma sobrecarga ainda maior para Irene, que experimenta um redemoinho de emoções, feliz pela conquista do filho mas desejando secretamente que fique em casa. Esse dilema é o que torna Benzinho em uma experiência psicologicamente tão rica.

No entanto, de nada seriam as boas intenções do roteiro caso sua transmutação para as telas não fizesse jus, e felizmente a direção de Gustavo Pizzi não só demonstra completo entendimento do próprio material como também o eleva a novos patamares. Fazendo bom uso do espaço cênico e favorecendo a excelente dinâmica do elenco, Pizzi cria um ambiente familiar convincente que é visualmente representado através de um caos controlado – geralmente enquadrando diversos membros da família no mesmo plano, o diretor torna palpável a sensação de que cada um destes personagens tem vida própria, agindo independentemente dentro de tablôs minuciosamente compostos.

No que tange às interpretações, devo separar um ou dois parágrafos para Karine Teles, embora seu enorme talento não possa ser tão facilmente condensado. Se em Riscado Teles transitava por uma variedade de máscaras sem nunca se perder da essência de sua personagem Bianca, em Benzinho a atriz traz inúmeras facetas para uma protagonista que, ao longo da narrativa, sente-se limitada por suas obrigações enquanto mãe. É um papel indiscutivelmente complicado, mas, como antes, o desempenho espontâneo de Teles certamente faz seu trabalho parecer fácil, por mais árdua que seja a preparação. O que a atriz faz em tela é nada mais, nada menos que extraordinário.

Não há um único segundo em que Teles, cujo rosto marcante é exaltado pelos muitos closes, transpareça algo menos que verdadeiro. Destacam-se momentos como sua formatura do ensino médio e a marcha da banda, nos quais a atriz é plenamente capaz de comover apenas com a força de seu olhar. Quando fala, portanto, somos agraciados com uma entrega muscular, que atinge seu limite quando Irene, já transbordando de ansiedade, entra em um frenesi para separar os utensílios de sua casa de veraneio para que o filho não se atrase para seu voo no dia seguinte. É fascinante como Teles representa essa fúria tipicamente materna em tela, numa alternância entre uma postura racional e seu inabalável instinto protetor.

Por mais que Teles seja capaz de carregar um longa nas costas, essa verdade toda que vemos também se deve à presença de um elenco de apoio à sua altura, com nomes de peso como Otávio Müller (Alemão) e Adriana Esteves (Canastra Suja). Inicialmente encarnando com eficiência o tipo do marido carinhoso mas omisso, Müller surpreende quando as inseguranças de Klaus vem à tona, comprovando um cuidadoso trabalho na construção do personagem. Esteves, que interpreta Sônia, a irmã de Irene, não precisa de introdução e deixa qualquer papel seu infinitamente mais empático, neste caso o de uma mulher atormentada que visa proteger o filho de seu marido problemático e abusivo, que é interpretado pelo uruguaio César Troncoso. Por fim, Konstantinos Sarris e Luan Teles estão bastante à vontade como o primogênito e o filho do meio, respectivamente.

Não há como negar que Benzinho possui algumas limitações. A subtrama do cunhado abusivo surge mais como uma interrupção do que uma engrenagem que propulsione o fio narrativo principal, e algumas soluções da fotografia resultam artificiais, como a iluminação nas cenas de chuva noturnas. Entretanto, ofuscados pelo forte envolvimento emocional gerado pela narrativa, nenhum desses pequenos problemas chegam a subtrair o saldo final substancialmente.

Concluindo-se de maneira emocionalmente satisfatória, Benzinho usa de sua forma enganosamente simples para explorar a contundente jornada pessoal de uma mulher que enfrenta tanto os fardos quanto as graças da maternidade, excepcionalmente articulada pelo roteiro e pela direção mas transcendendo através da interpretação magnífica de Karine Teles, uma atriz de talento inestimável. Mesmo que no cinema vejamos muitas histórias de amor materno, biológico ou não, poucas são capazes de transportar o espectador para o psicológico de uma mãe com tanta força e sinceridade.

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