Críticas

Crítica | Boneco de Neve

O cinema de gênero é algo que há muito tempo existe e provavelmente sempre existirá, uma forma extremamente rápida e eficiente de conectar o público a um determinado tipo de narrativa. A verdade é que dentro dessa gama de gêneros e suas obras, elas ainda são capazes de agradar o público, entregando títulos interessantes, todavia, após anos e anos, há uma espécie de quase esgotamento dentro do gênero, e filmes que desejem voos maiores parecem necessitar mostrar dentro de sua própria narrativa uma consciência de estar inserido numa longa trajetória de filmes de gênero.

Isso é muito presente nos terrores modernos, numa consciência extrema dos clichês e convenções que eles se inserem, para assim fazerem um próprio comentário do gênero, como também subverter completamente quaisquer expectativas, Corrente do Mal e A Bruxa são exemplos disso. Talvez, isso aconteça tão constantemente com o terror por ser um gênero tão relegado a um segundo plano que as fórmulas do horror surgem como uma arma para ótimos realizadores, algo que não acontece com outros gêneros cinematográficos, por exemplo, o suspense ou mistério, exatamente onde se insere Boneco de Neve.

O longa, que vem sendo detonado nas bilheterias americanas, parece acreditar que basta a apresentação dos mesmos clichês de sempre para construir um laço entre sua narrativa e o público, algo já improvável atualmente. Talvez, o cinema de mistério, ou de suspense (uma vez que este último engloba muitas outras formas), sofra com esse sentimento de que é fácil realizar uma obra de sua espécie, como se qualquer mistério, apenas pela suspensão de seu espectador, afirmasse esse pacto emocional com o espectador. O que mais se sente falta em Boneco de Neve é uma consciência do que está sendo realizado ali.

O filme parecia uma junção de fatores fadados ao sucesso, encabeçado por Michael Fassbender, Boneco de Neve ainda é assinado por Tomas Alfredson, do horror sueco Deixa Ela Entrar (2008) e do ótimo thriller de espionagem O Espião Que Sabia Demais (2011), mostrando-o como um nome interessante do suspense. Além de Alfredson há também os roteiristas Houssein Amini, responsável pelo texto de Drive (2011); e Peter Straughan que roteirizou Frank (2014), o próprio Espião Que Sabia Demais e Os Homens que Encaravam Cabras (2009). Todos esses nomes adaptando uma obra de um dos mais bem sucedidos nomes da literatura de mistério, Jo Nesbø.

A grande questão é que tudo isso não entra em cena, e os grandes nomes individuais parecem se empalidecer na busca por fórmulas e convenções que já não são mais sinônimos de sucesso. Boneco de Neve acompanha a clássica história de um detetive, no caso Harry Hole um famoso investigador sueco com problemas de alcoolismo que recentemente largou sua namorada e enteado, que se vê envolvido numa estranha rede de desaparecimentos femininos, em que todas as mulheres envolvidas são marcadas por relacionamentos extraconjugais com filhos cujos pais não se sabem quem são.

Essa premissa já demonstra o grau de previsibilidade da obra, que aos poucos vai demonstrando não possuir nenhuma peculiaridade, nada que faça com que ela seja diferente dos tantos outros longas sobre assassinatos misteriosos e seus improváveis assassinos, que dependendo do grau de atenção do espectador facilmente são desvendados. Boneco de Neve, então, vai tomando as mais equivocadas escolhas, todas elas tentando forçar o interesse de quem assiste àquele filme.

Boneco de Neve começa com um estranho prólogo, a história de um garoto, sua mãe e um pai que não assume seu filho, apesar de estar sempre rondeando a vida dos dois. Essa complicada configuração familiar termina de forma trágica e aquele menino fica sozinho no mundo. Sem alguma explicação prévia o filme salta anos para acompanhar a investigação do protagonista, assim, aquele prólogo serve apenas para deixar um suspense no espectador, enquanto aquela narrativa não engata, fazendo-o tentar entender quem aquele garoto se tornou no futuro. Essas típicas armadilhas narrativas podem ser vistas ao longo da projeção, como uma série de pistas falsas, que através de uma montagem fácil faz alguns personagens se conectarem, parecendo que alguém está mais envolvido do que parece.

Esse tipo de investida narrativa nunca parece coerente, mas sim um simples e fácil jogo dos roteiristas e realizadores. As informações são constantemente jogadas, ao invés de serem construídas, por exemplo, a aparição de um antigo detetive, num flashback que não se justifica e começa a aparecer no meio da narrativa, sem ser uma forma adotada pelo longa. A maior prova dessa não construção narrativa é como o terceiro ato é entregue a mais flashbacks e uma verborragia para que detetive e criminoso expliquem tudo, numa espécie de final típico de Scooby-Doo, onde alguém tem que explicar o que aconteceu e como tal pessoa é o culpado. Há, assim, uma sensação de público subestimado, uma vez que o longa acredita realmente surpreender seu espectador com artimanhas tão frágeis.

É curioso ver como Thomas Alferdson realiza uma direção tão subserviente ao seu texto, algo que pode ser notado em seus outros filmes, mas sem possuir aqui o mesmo controle narrativo, sendo apenas um ilustrador desse longo jogo de pistas. Além de ser ineficiente em construir um dinamismo rítmico, marcado por uma série de sequências, onde há um falso suspense, uma tensão que cresce para não revelar nada, algo que funciona apenas na primeira vez, fatos que fazem o longa possuir um ritmo entediante.

Boneco de Neve segue apenas nesse percurso de clichês narrativos, que pela sua raiz no mistério conquistaria a atenção de qualquer maneira. O desperdício de talentos pode ser visto no elenco, que não pode ser nem avaliado como uma boa ou má atuação, mas nota-se como Fassbender, Rebecca Ferguson e J.K. Simon são subaproveitados, estes dois últimos com um estranho tempo de tela, que surgem sempre em momentos picotados, que não se pode realmente entender suas relações com o filme.

Boneco de Neve resulta apenas em algo pífio, que entrega todas as suas forças e talentos a uma subserviência ao clichê. E se algum dia, um simples mistério e alguns nomes no elenco eram suficientes para se conectar com o público, agora é necessário uma consciência ainda maior das convenções do que esse gênero pode oferecer. Boneco de Neve não parece um filme do presente.

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