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Crítica | Buscando...

Mesmo que nem sempre com sucesso, o cinema continua a procurar por novos formatos que exploram o impacto da tecnologia, especialmente sobre nossa percepção do mundo. Após a febre do found footage baixar, outro formato ganhou a atenção do público e já parecia destinado ao esgotamento iminente: o screen life, com histórias que se desenrolam exclusivamente em telas de computadores, celulares ou televisores. Apesar da novidade, seu exemplar mais popular, Amizade Desfeita, produzido pelo russo Timur Bekmambetov, já deixava a impressão de que seu truque não teria muito mais o que oferecer. Felizmente, eu estava enganado.

Três anos depois do lançamento de Amizade Desfeita, outra produção de Bekmambetov chega aos cinemas e expande o formato screen life para dimensões bem mais promissoras: Buscando…, dirigido e co-escrito pelo estreante Aneesh Chaganty. Sucesso com o público do Festival de Sundance 2018, o filme é um thriller investigativo que traz um pai desesperado atrás de respostas para o desaparecimento de sua filha, cujos últimos vestígios podem estar em seu notebook pessoal. Trata-se de uma típica história de suspense contada de uma nova e visionária forma.

Após uma introdução que apresenta uma perda trágica da família Kim, somos colocados imediatamente sob a perspectiva de David (John Cho), que não parece nada habituado à vida de pai solteiro. Sem conversar muito com a filha Margot (Michelle La), agora uma colegial, David é praticamente alheio ao universo pessoal da garota, com a qual tem contato apenas através de mensagens de texto ou durante exibições de The Voice. Embora comum, essa distância entre os dois ganha seu peso negativo quando, da noite para o dia, David perde três ligações da filha e não recebe mais respostas da adolescente pelas próximas 48 horas.

Sem qualquer sinal de retorno, confirmam-se as suspeitas e Margot é considerada desaparecida. David então conta com a ajuda da condecorada detetive Rosemary Vick (Debra Messing) para encontrar a garota, enquanto vasculha os computadores da casa e encontra, pouco a pouco, as últimas pegadas virtuais da filha. Não há bons motivos para descrever mais nada que ocorra a partir desse ponto, já que Chaganty e seu co-roteirista Sev Ohanian orquestraram uma experiência baseada na completa imersão, algo que o formato screen life certamente consegue proporcionar.

Antes de partir para os méritos do filme em si, devo dizer que essa imersão é preservada pelo exemplar trabalho de localização ao português brasileiro. Cada quadro de Buscando… consiste de janelas e mais janelas, todas recheadas de detalhes (alguns deles pequenos mas importantíssimos), e a Sony não deixou por isso mesmo e encontrou uma maneira de traduzir cada uma das palavras em tela, entre links, emails, perfis de redes sociais e mensagens. Não há nada que pareça fora de lugar na transição do inglês para o português, ainda mantendo pequenas nuances da construção dos personagens – David tem o hábito de colocar pontos finais em todas as mensagens que envia, por exemplo.

Voltando à questão do formato, Buscando… se distingue de outras produções similares pois, diferente delas, não é um filme que se limite a ou seja limitado por seus truques. Se colocássemos sua história em um longa tradicional, talvez não houvesse muito o que discutir sobre, mas a maneira com a qual Chaganty e Ohanian decidiram contá-la acaba por elevar o filme a novas alturas. Mesmo que não possamos controlar as ações de David, o fato de vermos a ação majoritariamente por seus olhos nos garante uma ilusão de cumplicidade em sua investigação, o que torna a simples atividade de observar telas de computador em algo instigante e, por vezes, eletrizante – até obstáculos banais, como criar uma nova senha do Facebook, resultam em momentos de tirar o fôlego.

A direção de Chaganty acerta ao manipular a atenção do público com sutileza, fazendo uso de alguns efeitos de zoom e panorâmica para direcionar o olhar do espectador para certos detalhes – embora use a palavra “manipular”, o trunfo está na discrição e na economia com que essa manipulação se dá, uma qualidade encontrada apenas nos melhores contadores de histórias. Visto em uma tela grande, Buscando convida a audiência a navegar o espaço virtual de cena com seus próprios olhos, procurando por novas pistas em cada janela aberta.

Essa aparente liberdade do público de ver e saber o mesmo (ou até mais) que David acaba por render grande satisfação quando, após uma série de idas e vindas, detalhes aparentemente banais são a chave para que a verdade venha à tona. Além disso, assim como o roteiro se mantém sempre à frente das suspeitas do espectador, o diretor antecipa os palpites do público diante da tensão e cria ótimos momentos de alívio cômico, estes que ainda ajudam na construção de David como um pai pouco antenado em novas tendências.

Diferentemente de Amizade Desfeita, Buscando… não faz uso de seu formato apenas para conseguir reações viscerais, mas também para provocar emoções espontâneas. Enquanto o outro longa tratava seus personagens como descartáveis, este demonstra desde o início uma profunda consideração por David, Margot e até mesmo a detetive Vick. E, embora narrativa ganhe contornos cada vez mais sombrios, Chaganty e cia. nunca fazem uma exploração barata da realidade aterrorizante de um desaparecimento.

Buscando… desagrada em alguns aspectos, como a presença frequente da trilha musical de Torin Borrowdale e uma conclusão mastigada que apresenta respostas fáceis. Porém, com uma proposta tão bem consolidada, não há irregularidade que a derrube. Entre tantas produções ambientadas atualmente mas que ainda recorrem a velhas regras, esse é o tipo de filme que poderia apenas ser feito hoje, apropriando-se da tecnologia e da percepção atuais para criar uma experiência realmente singular, já se fazendo valer pela ambição.

Não será a última vez que veremos o formato screen life – já vem aí outra produção no estilo, Profile, dirigida pelo próprio Bekmambetov, além de uma planejada adaptação de Romeu e Julieta (?) -, mas a estreia de Aneesh Chaganty nos cinemas ficará na memória, comprovando mais uma vez a capacidade promissora da sétima arte de assimilar e comentar o presente. Que venham os copiões e, com eles, o anseio por novas formas narrativas!

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