A década de 1980 com certeza foi uma das eras mais rentáveis para o cinema americano. Após anos de reconstrução, os estúdios finalmente se reergueram, utilizaram tudo o que haviam aprendido com seu declínio e todo o frescor que a Nova Hollywood trouxe uma década antes, assim, o que parecia incrível com Tubarão e Star Wars, tornou-se regra, e o resultado: um período marcado pela reconquista do público com obras originais que conseguiam agradar a praticamente todos – assim nasceram os clássicos que costumava passar na televisão em todas as tardes infantis como De Volta Para o Futuro (1985), Os Goonies (1985), Gremlins (1984), e entre esses sucessos com certeza Os Caça-Fantasmas (1984).
Hoje, as cifras milionárias do cinema americano deixam muito para trás as bilheterias oitentistas, mas receosa de uma momento de baixa, a industria cinematográfica quer mais do que nunca apostar no certo e voltar aos anos 80 é a tacada certa da vez. Caça-Fantasmas, de 2016, insere-se nesse estilo que não é nem continuação, nem reboot, mas sim uma espécie de reciclagem, que não descarta os fatos já conhecidos dos filmes originais, mas contando uma história extremamente parecida com o primeiro e até mesmo repetindo alguns momentos chaves de sua narrativa.
Caça-Fantasmas é um daqueles filmes que dificilmente desvincula-se do original, não pela memória afetiva do público, mas por uma constante lembrança provocada pelo novo longa. Resta saber se a durabilidade do produto reciclado é a mesma do que a do original. Talvez essa seja a grande questão de Caça-Fantasmas e do filme que seguem essa linha. Parece que o maior interesse está em algo fora da narrativa ou da estética fílmica, o ponto alto dessas reciclagens são os easter eggs, são as conexões com o longa original, numa espécie de construção de piadas internas entre filme e o publico, no qual identificar a referência é o grande prazer oferecido.
Em Caça-Fantasmas, por exemplo, o mais importante é construir uma cena inteira para explicar a chegada do carro da equipe de caça-fantasmas do que construir as personagens principais. O tempo de tela é gasto mais com duas cenas que mostram a escolha do logo da trupe, do que a apresentação de um antagonista, e como não poderia faltar a presença ilustre de Bill Murray, protagonista do filme de 1986, que aqui faz uma participação com um personagem que demonstra ter alguma importância, mas é introduzido do nada e some tão repentinamente quanto, só validando seu papel como surpresa, quase sem peso dramático dentro da narrativa.
E conceder esses easter eggs parece uma preocupação constante, uma vez que se nota um bom desenvolvimento no seu início, desde seu prólogo que aproveita todos os clichês do suspense e terror para criar um envolvimento interessante com aquele mistério que se apresentaria para suas heroínas, até a apresentação das personagens. Principalmente de Erin Gilbert (Kristen Wigg), professora de física de uma universidade que tenta esconder seu passado investigando eventos parapsicológicos – algo que coloca em choque seus interesses em seguir seu futuro com o meio acadêmico e o chamado que chega em Nova York, e assim seu encontro com sua antiga parceira resulta e bom momentos e promete um bom filme, que infelizmente se perde na brincadeira de achar a referência.
A linha narrativa torna-se confusa, desperdiçando muito tempo com fatos que não levam a trama adiante e deixando em segundo plano momentos que poderiam enriquecer a trama como o encontro das Caça-Fantasmas com o prefeito, algo que é sempre desenvolvido de maneira apressada. A constante busca pela aproximação com o original esvazia as possibilidades de um novo bom filme, há o desejo de conhecer Erin, Abbi, Jillian e Patty, mas o próprio filme não deixa esquecer dos antigos caça-fantasmas. A narrativa prejudica até mesmo o desempenho das comediantes. É notável que Melissa McCarthy representa hoje para comédia o que Murray representava na década de 1980, e até certo ponto a atriz brilha com seu timing cômico, assim como a grata surpresa Kate McKinnon, famosa por suas participações no Saturday Night Live e ainda pouco conhecida por aqui, mas que demonstra todo seu talento nas participações mais inspiradas no filme.
No entanto, o bom humor do quarteto não é suficiente para segurar os 116 minutos de filme. Há um esforço gigantesco para as piadas serem suficientes, mas a estratégia acaba se tornando repetitiva e muitas vezes apela para um humor caricato; por exemplo, inúmeras são as vezes que a personagem de Jillian explica um gadgets com inúmeros termos indecifráveis, e a grande questão é que a narrativa não avança e o longa necessita desses momentos para tentar tapar seu buraco. Também nota-se como não há uma construção satisfatória da grande ameaça que assombra a cidade de Nova York, tendo um mínimo desenvolvimento apenas no fim de Caça-Fantasmas, parecendo nunca ter a real importância que deveria.
Se o longa mostrava um bom início, seu terceiro ato é a parte mais decepcionante de Caça-Fantasmas. Se o desfecho do longa de 1984 era interessante por colocar uma figura extremamente cômica como o monstro que poderia destruir uma cidade, a quebra de expectativa transformava aquele surreal confronto final no ponto alto do filme, no entanto, essa nova versão apenas imita os inúmeros blockbuster contemporâneos, que consiste basicamente na criação de um monstro gigantesco em CGI que destrói toda a cidade, caindo no senso comum das produções atuais, trazendo pouquíssimo frescor a este Caça-Fantasmas.
Paul Feig demonstra habilidade dentro da comédia, mas é visível a pobreza visual do diretor nessa sequência final, em que Feig transforma a invasão fantasma num jogo de videogame, com o excesso da computação gráfica fazendo com que a caçada aos fantasmas seja pouco interessante – parece que até mesmo o antigo jogo para Plastation 2 trazia ideias visuais mais interessantes para os monstros desse Caça-Fantasmas, mais divertidos do que assustadores e poucos inventidos.
Assim, o longa joga luz nessa problemática constante reciclagem: Caça-Fantasmas tem mais interesse pelo passado de sua franquia do que por qualquer frescor ou interesse que um novo elenco, um novo diretor e uma nova roupagem poderia trazer. O filme é exatamente como um fantasma, vazio e transparente e que vive apenas de seu passado, portanto, possuindo pouquíssima vida própria.