Críticas

Crítica | Cães de Guerra

Na década de 1990, Martin Scorsese fez duas obras seminais do cinema de gangster. Mais do que excelentes filmes de máfia, Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995) são obras que conseguem dar conta de explicar e sintetizar um pensamento a respeito da sociedade americano, ali o gangsterismo é um paralelo acertado com o American Way e utiliza uma série de elementos da cultura americana, música, tipos sociais e as cidades (Nova Iorque e Las Vegas), para construir uma complexa análise crítica dessa sociedade.

Corte para 2016, Cães de Guerra começa com um freeze frame de David Packouz (Milles Teler) numa situação limite, albaneses ameaçando-o de morte, uma narração em off toma conta da cena e o próprio David começa a explicar o que estava ocorrendo ali e como ele foi parar naquela situação. Qualquer semelhança com os dois longas citados não é mera coincidência, Cães de Guerra sofre de um mal até que bastante comum no cinema americano, uma espécie de “scorsesesização” que afeta exemplos de filmes que querem ser populares mas com ironia e crítica à sociedade americana. Basta reparar em filmes como Trapaça, de David O. Russel; Sem Dor, Sem Ganho, do Michael Bay; e até mesmo na auto repetição de Scorsese em seu recente O Lobo de Wall Street.

Todos sofrem de uma tentativa de tornarem-se estudos complexos dos EUA através do gangsterismo com as mesmas estratégias que o diretor ítalo-americano fizera há 20 anos. Fato é que, em maior ou menor grau, nenhum desses filmes chegam perto das conclusões e ambições realizadas nos dois longas noventistas, o que gera nesses longas uma sensação de cópia, sem a mesma complexidade ou aprofundamento. Infelizmente, Cães de Guerra está inserido nesse pacote, a sensação de cópia de um filme já realizado com os mesmos artifícios é constante, as boas ideias se perdem nessa fetichização de um estilo já bastante explorado e talvez já esgotado.

O longa de Todd Phillips (Se Beber, Não Case) acompanha a vida de David, um massagista que prestes a ter seu primeiro filho decide se envolver com seu melhor amigo de infância na venda de armas para a guerra do Iraque. O filme possui a premissa do homem errado, que pela ambição ou desespero entra nessa intriga de proporções muito maiores que aquele rapaz poderia suportar e aí está uma das grandes ideias da produção.
Numa espécie de conto moral, como praticamente todo filme de gangster, Cães de Guerra centra principalmente na trajetória de David no tráfico de armas. Numa espécie de micro ascensão e queda, o filme segue essa história do jovem prestes a bancarrota a um gangster capaz de enganar a secretaria de defesa americana.

Em seus 115 minutos de duração, o filme faz sentir o quão desesperado era David e o quão agradável é sua vida no banditismo, mas apressa-se ao mostrar essa sua derrocada, o que faz parecer que a desistência daquele garoto parte muito mais de uma briga ou birra com seu melhor amigo, do que por uma consciência ou de fato um trauma. Em outras palavras, o filme de Todd Phillips é como David, deslumbrado com aquela vida, com o luxo, com o rock e com a ação, que em seu ponto crítico parece apenas desistir de seus objetivos.

Essa pretensa aura de filme de máfia, que nunca chega a ser de fato alcançada, lembra frase que inicia o já citado Os Bons Companheiros, em que Henry Hill diz desde criança sonhar em ser um gangster. David não é e nunca será como Hill, aquele garoto é apenas um massagista em Miami aventurando-se no mundo do crime. Há nesse sentido, a questão do inesperado, que é pouco explorado pelo filme, infelizmente, uma vez que o diretor sabe muito bem reger esses pontos pouco prováveis, vide a trilogia de Se Beber, Não Case. O que é mantido no seu estilo é um excelente timing cômico, auxiliado e muito por uma ótima dinâmica entre Miles Teller e seu parceiro de cena Jonah Hill.

Dessa forma, o que pouco funciona nas superficiais e óbvias críticas sociais que o longa tenta conceber, se sai muito bem em seu lado cômico. Como se Cães de Guerra risse a todo o momento daquela situação, a guerra do Iraque é motivo para piadas e das mais sarcásticas. Aqui, reside a maior força do filme de Phillips, uma vez que escancara as contradições desse conflito internacional, ridicularizando, em bons certos momentos, as pessoas que puderam enriquecer com esse período.

Cães de Guerra acerta no ponto que muitas vezes parece querer distanciar-se, quando finalmente entrega-se ao humor inerente ao argumento do filme e deixa de lado um tom mais sério e mais forte, numa espécie de estética Scorsese, que funcionou muito bem nas hábeis mãos daquele ítalo-americano, mas que pode ser um tiro pela culatra em outros projetos.

Há em Cães de Guerra a iniciativa de ser assertivo e crítico em relação a um período contraditório da história recente dos Estados Unidos, há também uma boa e sagaz dose de humor que ajuda a entender esse momento. No entanto, há uma pretensão nunca alcançada ao longo do filme, e conduzida através de estratégias e recursos já esgotados há muito tempo. Cães de Aluguel poderia encontrar sua forma única de contar essa história.

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