Críticas

Crítica | Carol

As mulheres sempre se sentiram presas em redomas nas quais ou são endeusadas pelos homens ou são tidas como propriedades deles. Quando duas mulheres resolvem não só se unir contra esta opressão masculina, mas também amar uma a outra, acabam por romper definitivamente com essa opressão e assumirem para si o destino de suas vidas sem serem guiadas por ninguém a não ser por elas mesmas. O longa Carol é um ótimo filme sobre esta situação.

Inicio dos anos 1950, em Nova York. Carol Aird (Cate Blanchett, de Cinderela), uma típica dona-de-casa de classe média alta dos Estados Unidos, precisa comprar um presente de Natal para a filha. Therese Belivet (Rooney Mara, de Peter Pan), uma jovem atendente da seção de brinquedos de uma grande loja de departamentos, está atrás do balcão. Seus olhares se cruzam.

Carol está prestes a se divorciar de seu marido, Harge Aird (Kyle Chandler, de O Lobo de Wall Street). Os dois têm uma filha pequena, Rindy (Kk Heim). Carol, muito tempo antes de se decidir se separar de Harge, teve um caso com uma velha amiga e madrinha de Rindy, Abby Gerhard (Sarah Paulson, de 12 anos de Escravidão).

Therese está noiva de Richard Semco (Jake Lacy, da série Girls), que trabalha na mesma loja que ela. Ela é uma fotógrafa amadora. Apesar de tirar boas fotografias, Therese ainda não foi atrás do que realmente gosta de fazer. Pouco a pouco, as duas vão se conhecendo melhor e percebendo como o mundo a sua volta reage ao que nasce e cresce entre as duas.

Carol é o mais novo filme do diretor norte-americano Todd Haynes. Ele não lançava um filme desde Não Estou Lá (2007), uma surpreendente cinebiografia de Bob Dylan. Neste mais novo trabalho dele, temas como as descobertas, as opressões, a liberdade, a sexualidade e o preconceito, muito presentes em filmes anteriores do diretor, também estão em cena. Velvet Goldmine (1998) e Longe do Paraiso (2002) são marcantes exemplos disso.

Entretanto, o roteiro de Carol não foi feito por ele. O trabalhou ficou nas mãos da Phyllis Nagy. Apesar de este ser o segundo roteiro escrito por ela, Phyllis conseguiu adaptar a história do livro homônimo de Patricia Highmith muito bem. Ela conseguiu transpor do papel para a tela toda a carga dramática da história.
Muitos diálogos são maravilhosos de se ouvir e são muito bem dosados. Existe um equilíbrio entre diálogos e imagens. Em muitos momentos, o dialogo fica completamente desnecessário diante das imagens mostradas. E quando os diálogos se fazem necessários são muito inteligentes. Carol foi o segundo livro publicado por Patricia e, o mais incrível, em 1952! O seu primeiro livro, Strangers on a Train (1950), foi adaptado para o cinema e recebeu o nome de Pacto Sinistro (1951). O diretor foi icônico Alfred Hitchcock. É dela, também, a obra O Talentoso Ripley (1955).

A grande sacada de Todd ao dirigir Carol foi usar os automóveis – aqueles modelos clássicos norte-americanos imensos próprios daquela época – como metáfora das redomas nas quais as personagens de Cate e Rooney estavam vivendo ou viriam a viver. A ideia de estar isolada significa tanto alienação, isolamento e prisão, quanto fuga, paraíso e proteção. Este uso inteligente dos carros foi possível por causa da fotografia de Edward Lachman. Isto fica claro, assim: quando o uso do veículo significa isolamento, a câmera está sempre fora do lado de fora. Quando significava proteção, ela estava dentro, como em um dos primeiros encontros entre Therese e Carol. O uso do close para detalhar o que Therese reparava em Carol também é delicadamente executado.

A trilha sonora composta por Carter Burwell também está perfeitamente no tom do filme. Com uma carga dramática na medida certa em relação aos momentos de delicadeza e em relação aos de embate. Além de terem sido perfeitamente selecionadas músicas da época que embalam algumas cenas entre Carol e Therese.

Sem exceção, todos os atores presentes em cena estão muito bem. Obviamente, Cate Blancett e Rooney Mara se destacam neste fantástico elenco. A maneira delicada, sensível, mas ao mesmo tempo forte e intenso das suas interpretações não deixa dúvida da sinceridade com que suas personagens tratam suas emoções. Isto fica claro em cenas nas quais, cada uma, independentemente resolvem comprar presentes e na qual ambas estão, juntas, se maquiando e se perfumando.

Kyle Chandler e Jake Lacy conseguem passar com as suas interpretações toda a surpresa, a raiva e a frustração de seus personagens em frente ao que, para estes, é uma afronta à suas masculinidades. Kyle Chandler interpreta bem o marido confuso com os sentimentos – um misto de amor e posse – em relação à Carol. Assim como Jake deixa claro a surpresa que o seu personagem tem ao descobrir que sua noiva pode estar gostando de outra mulher.

Merece ser mencionada, também, a interpretação de Sarah Paulson. A atriz faz muito bem o papel de amiga e confidente da protagonista. Esta foi uma ótima seleção de elenco realizada por Laura Rosenthal (Um Santo Vizinho, 2014). Ela acertou em cheio.

A reconstituição de época está impecável. Os automóveis, as roupas, o estilo de cabelo, de maquiagem, os móveis… tudo, mas tudo mesmo faz com quem assista ao filme seja transportado para aquela época. E não só os objetos, mas também, o comportamento da época está condizente. Foi realizado um excelente trabalho de pesquisa.

Esta é uma produção maravilhosa e tocante, não só por causa da história entre Carol e Therese, mas por tudo que este encontro das duas consegue trazer a tona. O pior é perceber que, apesar da grande maioria da sociedade, atualmente, aceitar o amor entre dois homens ou entre duas mulheres, aqueles que ainda não aceitam parecem ter uma reação mais extrema do aqueles que não aceitavam há mais de 60 anos.

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