Críticas

Crítica | Chocante

O filme Chocante começa com uma filmagem que simula uma apresentação do Domingo Legal de Gugu Liberato. Ali, em algum momento entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, a boy band Chocante começa seu número, num suntuoso playback com direito a coreografia e todo figurino da época, a música já fica na cabeça: “choque, choque, choque de amor”. Em segundos, a filmagem torna-se imagem de arquivos de um atual programa da tarde da televisão aberta, é informado que um membro da banda Chocante morreu de forma bizarra, num anúncio cômico e bastante irônico, utilizando uma conhecida apresentadora do ramo. Na sequência mais engraçada do longa resume-se a trajetória das subcelebridades dos anos 1990 no Brasil.

O filme propriamente dito começa logo após a interessante e perspicaz introdução, os quatro restantes membros do grupo finalmente se encontram no velório daquele falecido colega. Esse pequeno momento faz com que eles revivam seus lampejos de glória, revelando como não foram capazes de superar aquele período de fama. Os protagonistas passam a se reencontrar e até mesmo pensar numa retomada daquele grupo juvenil, com alguns anos de atraso. Hoje no fracasso, o que eles mais querem é reviver um sonho que foi interrompido.

Esses dois momentos revelam muito das pretensões e estratégias presentes no longa Chocante. O encontro cômico dos quatro protagonistas em um velório demonstra a tentativa do filme em dialogar com uma tragicomédia. Algo até bastante usual nas mais recentes comédias, que buscam fugir do pastelão por completo, refinando sua narrativa de alguma maneira. Aqui esse saudosismo equilibra o humor da obra, evidenciando essa afinidade com um sentimento que não necessariamente agrade seu público.

Chocante é um filme inteiramente ligado com o fato de se viver no passado, ou de ser incapaz de crescer. Eternos adolescentes de uma boy band definiriam bem aqueles quatro homens. É isso que pauta todo o filme, ao começar, por exemplo, com o emprego de Téo (Bruno Mazzeo), um cinegrafista de festas e cerimônias, que ainda utiliza equipamento antigo, que ainda possui todas suas fitas cassetes e meios para assisti-las. Ou o personagem de Bruno Garcia que insiste em elevar a fama de galã de Clay (Marcus Majella) sem perceber que claramente o amigo assumiu a homossexualidade.

O mais interessante é que mesmo esse saudosismo criando uma série de situações cômicas, como o encontro entre os homens e seu antigo empresário, ou até os ensaios da banda anos depois. Mas o que chama atenção é que o longa mantém um tom derrotista, nunca fazendo com que Chocante seja um filme edificante, sobre a retomada de um sonho daqueles velhos garotos. Pelo contrário, ainda que isso seja assumido por duras penas – dá a sensação que esse é um sentimento escondido na obra – o longa não apresenta soluções aos seus personagens, como se a lição daquilo tudo fosse a aceitação de que aquele tempo foi incrível, mas não existe a possibilidade de retorno. Uma reconciliação sincera com o passado.

Esse aspecto que surpreende por se tratar de uma obra que visa o grande público, muitas vezes é amenizado por estratégias narrativas mais fáceis. Como um típico drama de pai ausente tentando reconquistar a filha, ocorrido com o personagem de Téo, algo que só dispersa aquilo que é interessante na trama, curta o suficiente para tentar cravar uma série de subtramas – ainda que isso seja constante nos manuais de roteiro. Assim, Chocante encontra-se nesse lugar que reflete um receio de abraçar de vez caminhos mais interessantes, sempre havendo a sombra das grandes comédias de um passado extremamente recente do cinema brasileiro.

Óbvio que o humor por muitas vezes é o que sustenta a narrativa de Chocante e que envolve o público com aqueles personagens principais. Se o longa contém alguns momentos inspirados dos protagonistas, por exemplo, as participações de Majella sempre extremamente cômicas, como um ensaio para um pedido de demissão do local onde trabalha. Todavia, a grande graça do filme está totalmente ligada a um fator externo ao filme, principalmente pelo uso de referências daquele tempo passado, citando atores, cantores, programas de televisão da época e isso faz com que a plateia, que se lembra daquela época, envolva-se com aquilo que é contado.

É curioso que o ponto alto de Chocante surge de uma nostalgia muito clara, principalmente trabalhada num traço irônico, realmente afirmando que as coisas daquela geração nem eram tão boas assim, justamente um sentimento tão próximo daquele que o filme critica. Se isso é inserido com muita inteligência no filme, a fim de conquistar os espectadores, também demonstra como seu grande mérito está justamente em algo totalmente alheio daquilo que é construído pela própria obra.

Chocante é um filme que possui seus problemas, um longa que muitas vezes parece estar num corte ainda não finalizado. Com alguns movimentos de câmera meio atabalhoados, sem significado algum, como num momento de um simples diálogo inicial, uma câmera que se desloca apenas para se mover. Ou uma montagem que nem sempre ajuda na fluidez do longa, complicando ainda mais o roteiro que, como já dito, costuma se dispersar da narrativa principal. Mas ainda assim é necessário assumir que Chocante diverte, que faz bem o seu papel, mesmo que o mais interessante na obra seja o externo a tudo que ele construa.

Sobre isso Chocante é um filme que consegue transcrever bem o sentimento nostálgico de uma época, ainda que ela seja bem próxima da atual. Conseguir fazer disso matéria para o entretenimento é um ponto a ser conquistado, ainda que não consiga transpor a nostalgia para a crítica ao saudosismo contida no filme. Ainda assim Chocante é diversão baseada na cultura pop brasileira, propondo minimamente caminhos mais interessantes ao público.

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