Após estrear na direção de longas em 2013 com a comédia Meu Passado Me Condena – O Filme, a cineasta Julia Rezende assumiu um tom mais sério com o romance Ponte Aérea, lançado dois anos depois. Neste ano, Rezende vê a estreia de seu novo filme, Como É Cruel Viver Assim, onde tenta criar uma amálgama entre os diferentes tons e estilos que já experimentou antes, a partir do roteiro adaptado por Fernando Ceylão de sua peça homônima.
O enredo segue quatro personagens distintos, mas seu foco recai sobre o casal interpretado por Fabíula Nascimento e Marcelo Valle: ela interpreta Clivia, a dona de uma lavanderia, e ele encarna Vladimir, seu marido desempregado que decide voltar à vida do crime para garantir o futuro dos dois. Ao lado de Regina, interpretada por Débora Lamm, e Primo, interpretado por Silvio Guindane, decidem planejar e executar um sequestro que pode rendê-los uma vida melhor – é claro, se o plano for tão perfeito quanto creem.
Aproveitando um visual cru e uma montagem bruta, a direção de Rezende favorece um registro realista. São usados diversos recursos mais comuns a dramas policiais, como câmera na mão, fotografia granulada (e pouco saturada) e efeitos sonoros realçados. Há ainda alguns truques criativos que aliam a fluidez da câmera de Dante Bellutti com a precisão dos cortes de Maria Rezende, como no momento em que Vladimir revive o momento em que se apaixonou por Clivia em uma delegacia.
Embora saiam diretamente da versão teatral de Como É Cruel Viver Assim, os diálogos escritos por Ceylão são frenéticos e repletos de linguagem chula, entregues com a coloquialidade típica de filmes do gênero policial. Há ainda breves reflexões sobre os temas abordados, mesmo que alguns dos quais sejam incluídos de maneira questionável – a violência doméstica, por exemplo, que é usada como uma mera conveniência do roteiro.
Justamente por essa seriedade que permeia o longa, muitas das situações cômicas propostas pelo roteiro simplesmente não decolam, prejudicando o ritmo e também criando momentos de confusão tonal. Ainda assim, há momentos em que a comédia funciona. Além do final propositalmente anticlimático, que traz uma pitada de humor agridoce, os personagens soltam uma série observações que causam risos espontâneos.
Por exemplo, Clivia vive reclamando da amiga Regina, que constantemente bagunça sua casa e deixa restos de comida pelo chão, a certo ponto soltando a hilária constatação de que empadas são feitas “especificamente para deixar farelo”. Outro bom momento envolve a visita de Vladimir e Primo a um peculiar chefe do crime interpretado por Otávio Augusto, que serve quitutes aos visitantes enquanto descreve calmamente seu passado intimidador. É justamente nesses trechos que a comédia transparece com mais naturalidade e sinceridade.
Mesmo assim, o excesso de diálogos que não vão a lugar nenhum acaba por tornar o filme repetitivo, fazendo com seus 107 minutos de duração sejam mais cansativos do que deveriam ser – isso apenas piora quando o texto é, sem mais nem menos, gritado a quase todo momento. Essa redundância, aliás, também acomete o envolvimento com os personagens e seus respectivos arcos dramáticos, que ao menos são bem defendidos pelo elenco.
Por falar no elenco, destacam-se justamente Valle e Nascimento como o casal de protagonistas. Enquanto Valle, que está praticamente irreconhecível, esbanja carisma no papel de um malandro com profundos questionamentos existenciais, Nascimento, que também está em cartaz com O Nome da Morte, demonstra a segurança de sempre no papel da esposa que gradualmente perde seu compasso moral. Juntos, demonstram grande química e alternam com destreza entre os momentos dramáticos e cômicos.
Lamm, conhecida pelo programa Zorra, também está ótima como a amiga desajeitada, indo além de seu talento cômico para trazer nuances a uma personagem que poderia facilmente ser limitada a uma caricatura. Guindane, por sua vez, tem um bom desempenho apesar do personagem mal-desenvolvido. Enquanto isso, nomes de peso como Milhem Cortaz e Paulo Miklos surgem em papéis pontuais mas expressivos – em especial Cortaz, que tem boas cenas ao lado de Valle e Nascimento.
Encerrado com um longo (e belo) plano aéreo sobre um cemitério, Como É Cruel Viver Assim certamente tem algo a dizer sobre a pequenez relativa de seus personagens diante de um mundo repleto de injustiças. Rezende, que é uma cineasta em crescimento, ao menos teve a ambição de realizar uma comédia de humor-negro dentro dos moldes do cinema comercial brasileiro, evitando um olhar maniqueísta. É uma pena que, como um todo, seu filme perca a força justamente pela briga entre seus tons concorrentes.