Solidão

Crítica – Deserto Particular

Drama de Aly Muritiba apresenta o encontro de almas entre duas pessoas trancadas em suas devidas realidades

A não ser para os mais alienados, é sabido que vivemos tempos turbulentos, socialmente e politicamente falando.

A expressão mais ouvida por aí afora é que nunca encontramos um país (ou mundo) tão polarizado como temos hoje. Verdade. Apesar que existe a teoria de que na realidade sempre foi dessa maneira, único diferencial é que estamos conectados umbilicalmente às redes sociais que fizeram o “favor” de jogar luz nos pensamentos mais obtusos, tornando a situação geral muito mais conflituosa e dramática.

Especificamente no Brasil, observamos que essa divisão assumiu ignorantes rivalidades regionais, estereotipando (equivocadamente) figuras e lugares mostrando um desconhecimento consciente da representação do cenário geral.

Assim, recebemos surpresos Deserto Particular, novo drama do cineasta Aly Muritiba sobre o amor que atravessa as linhas de nosso país para retratar a conexão de duas almas: uma nascida no Sul do Brasil e a outra que vive no Nordeste.

Daniel (Antonio Saboia), 40 anos, foi suspenso do trabalho policial ativo e está sob investigação interna por violência. Quando Sara, seu caso de amor virtual, para de responder suas mensagens, ele decide dirigir para o nordeste em busca dela, começando no que parece ser uma missão tola. Ele mostra a foto de Sara pela cidade, mas ninguém parece reconhecer a mulher. Até que finalmente aparece um homem dizendo que pode colocar os dois em contato sob condições muito específicas.

Amor além das fronteiras

O longa-metragem de Aly Muritiba foi selecionado como a obra brasileira representante na categoria Melhor Filme Internacional para o Oscar que se aproxima. Porém, teremos que esperar pelos primeiros dias de fevereiro do ano que vem para saber se Deserto Particular conseguiu uma vaga entre os cinco indicados, que entregará a estatueta dourada para o vencedor no dia 27 de março de 2022.

Normalmente existe muita discussão ao redor do assunto. Muitos dizem que não sabemos escolher bem quem será nosso representante diante a temporada de prêmios da indústria cinematográfica americana. Todavia, parece mais confortável afirmar que desta vez temos uma obra capaz de comunicar de modo esclarecido, sem escorregar em exposições: uma realidade dura vista pelo Brasil, indicando parte de nossa história recente.

Entre os aspectos positivos encontrados em Deserto Particular, temos uma narrativa firme que sabe exatamente onde está, o que faz e para onde quer ir.

Pela rotina diária do protagonista Daniel, percebemos a frieza e solidão que sente, basta olhar os móveis e as cores ao seu redor na casa onde vive junto de seu pai senil em Curitiba, Paraná. Agora, quando ele pega sua caminhonete e vai em direção ao norte do país: cores quentes, luzes gritantes, peles brilhosas, etc…

Junta-se a estes predicados técnicos diretamente relacionados às direções de arte e fotografia, o roteiro escrito por Muritiba em parceria com Henrique dos Santos, que não expõe mais do que o necessário, surpreendendo quando chegamos na parte central da narrativa. Seguindo um rumo diferente do que poderíamos ter imaginado no começo da história.

Prisioneiros

Em tempos de pandemia, certamente apelamos à tecnologia para nos manter conectados com pessoas além daquelas que são parte de nosso dia-a-dia, sejam elas conhecidas ou desconhecidas. Muitas vezes conseguimos “escapar” por algumas horinhas de nosso isolamento forçado através da tela do celular, estabelecendo uma via de comunicação que nos aproximava, principalmente, do ‘eu’ projetado.

Através do sensível Deserto Particular testemunhamos as prisões que nos encarceram, tanto as conscientes como aquelas impostas por terceiros, assim como o anseio febril de se libertar deste lugar difícil que tantas vezes nos encontramos.

Pelo casal Daniel e Sara, notamos que se espelham até mesmo fisicamente, só reparar nas espinhas faciais que brotam em suas faces, típicas erupções epidérmicas da irritação que passam diariamente vivendo vidas enclausuradas, tentando conter seus maiores desejos, reprimidos por diferentes tipos de medo.

É muito emblemática a cena perto do final onde vemos Daniel tentando se abrir com alguém pelo telefone celular, mas falhando em conseguir formar meia frase se quer, ficando angustiado e nervoso a ponto de quebrar o gesso que tinha no braço desde o começo de Deserto Particular.

Aly Muritiba também aproveita a temática para elevar a importância do calor feminino na vida das pessoas, que diferentemente da racionalidade masculina, acolhe aqueles que sofrem das piores dores.

E, ao contrário do que se espera, surpreendendo mais uma vez, detectamos uma proposta solar, da esperança de encontrar seu lugar no mundo, que muito provavelmente se encontra longe de nossas origens.

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