Críticas

Crítica | Despedida em Grande Estilo

A comédia é construída a partir de situações que fogem do esperado, que surgem para romper uma lógica comum a fim de gerar risos. Assim, o humor está residido ou nas pequenas quebras de expectativas, ou nas grandes situações improváveis, e, no melhor dos casos, na combinação de ambos. Esses são princípios básicos da piada, da gag e da comédia, fundamentalmente. Explicando, isso pode parecer bem simples, mas construir um filme todo a partir desse conceito básico é algo que poucos conseguiram com excelência (Chaplin, Keaton, Marxs e Lewis), mas, embora seja difícil, esse parece ser um dos caminhos mais agradáveis ao humor.

Despedida em Grande Estilo segue exatamente esse percurso, tentando atrelar essas pequenas quebras de situações para finalmente colocar seus personagens numa situação totalmente extrema e inusitada. O filme acompanha a vida de três senhores de idade que vivem em Nova Iorque, Joe (Michael Caine), Willie (Morgan Freeman) e Albert (Alan Arkin). Todos eles estão cercados da dívida e nada indica um futuro melhor, tudo que os três amigos querem é ter uma condição melhor e farão de tudo para que isso seja possível, nem que seja necessário assaltar um banco.

Baseado num longa de mesmo ano de 1979, que continha o grande instrutor de atuação Lee Strasberg em seu elenco, o filme segue por uma tentativa de tirar o idoso do senso comum, tanto nas ações triviais quanto nessa grande jornada. É justamente esse deslocamento dos personagens que causam o humor, como eles reagem a melhor idade e quais são seus planos. Evidente que esse tipo de discurso pode muito bem cair numa filosofia óbvia a respeito da vida, surgindo no filme pensamentos como “aproveitar todos os instantes até seu último momento” e coisas do tipo. Todavia, os grandes méritos de Despedida em Grande Estilo está justamente nessa comédia simples, trivial, mas sempre muito bem vinda.

O filme dirigido por Zach Braff começa com uma sequência em que o personagem de Caine vai ao banco tirar uma dúvida sobre sua hipoteca, nesse momento inicial há um resumo de tudo que se verá ao longo da projeção. O carisma de Caine, tiradas cômicas no texto, piadas físicas com os atores, e até mesmo o plot e a grande motivação do filme. Ali já há toda explanação acerca da péssima situação financeira do protagonista e logo em seguida surge um grande assalto a banco, no qual os únicos atingidos são realmente os bancários e a instituição que representam.

Essa primeira cena é extremamente bem estruturada, seguindo um padrão que será presente no resto do longa. Naqueles poucos minutos o que se vê é Joe sofrendo na mão da burocracia, o gerente apresenta todos os argumentos que comprovam a culpa do idoso, sempre com muita arrogância e sarcasmo. Com pouco tempo de tela, o espectador realmente sente raiva daquele homem, representando muito mais a instituição do que uma pessoa realmente. O público já está do lado de Joe, querendo que, no mínimo, algo ridículo aconteça com aquele gerente. Logo vem o assalto e aquilo que foi incitado em pouco tempo tem sua recompensa, num roubo à lá Robin Hood, os assaltantes tiram tudo do banco sem ferir ninguém e, ainda por cima, acabam ridicularizando aquele personagem que já é desprezado pela audiência. Em pouco tempo já se tem toda a dinâmica do filme, e já se sabe que aquele prazer vingativo só será completo quando o protagonista partir para seu próprio assalto.

O mais interessante de Despedida em Grande Estilo é essa relação entre o sistema bancário americano e o trio protagonista do longa. Aqui não é a velhice que priva aqueles homens de algo, mas sim a crise financeira que atinge principalmente os mais velhos. Aqueles homens são personagens que nadam contra a correnteza de alguma forma, que resistem para não só permanecerem vivos, como, também, aproveitarem o tempo que lhes resta. Dessa forma, se Joe, Willie e Albert vivem tomando golpes do sistema, eles tomam uma atitude, a fim de continuarem no seu percurso normal.

Com essa proposta, o longa segue esses três amigos planejando e executando o crime que lhes dará o conforto que está sendo privado. Não há como não torcer para esses personagens: senhores esmagados por forças externas muito maiores que eles, sendo o único objetivo dos protagonistas uma vida um pouco mais cômoda. É justamente por isso que Despedida em Grande Estilo dedica boa parte de seu segundo ato na preparação do grande assalto, numa tentativa de mostrar mais sobre aquelas três figuras, perceber o quão inusitado são aquelas situações. Essa espécie de treino para o grande roubo é o ápice da premissa de fazer humor através de muito pouco, essa importante parte do desenvolvimento é construída a partir de pequenas situações que tiram seus protagonistas de um lugar esperado, gerando o momento mais engraçado de Despedida em Grande Estilo.

Apesar do trabalho de Zach Braff e do roteirista Theodore Melfi alcançar boa parte de seus objetivos e risos, há alguns problemas no filme, principalmente em seu terceiro ato, arrastado, mas principalmente pouco cômico em relação às outras partes. Esse problema de ritmo faz com que pareça haver um esgotamento da comédia presente no longa. É como se os realizadores também não soubessem que o humor é a quebra da expectativa até no que já é inesperado, sendo impossível manter por mais de 90 minutos um mesmo tipo de piada, sem variação alguma de repertório.

Muito disso se deve ao fato de Despedida em Grande Estilo conter um roteiro que deseja seguir à risca os grandes manuais, algo que pode dar muito certo, mas que aqui só reforça a obviedade do projeto. É como se a todo momento o filme deixasse claro qual assunto será retomado mais adiante, escancarando para o espectador o que deve exigir uma atenção maior – a tatuagem dos assaltantes, as frases dos policiais -, ações que parecem linhas sublinhadas de um roteiro que assume a incompreensão do público frente as suas rimas narrativas. Mais uma vez, a comédia é baseada na surpresa, mas o longa teima em acreditar que seu espectador não é inteligente o bastante para compreender suas piadas – isso quando não há a inserção de um flashback de uma cena do início do filme para explicar uma frase no final do longa, subestimação total.

E mesmo que Despedida em Grande Estilo tenha seus defeitos é inestimável a presença desses três atores. Mesmo que as piadas nem sempre funcionem, mesmo que Braff não tenha o melhor timing cômico, esses três senhores contornam todas as situações com a pura e simples experiência. É até interessante perceber como atuação dos protagonistas não chega ao brilhantismo – há momentos que ninguém se salva como as cenas melodramáticas de Willie no hospital -, porém todos eles carregam uma simplicidade, alguém que com muito pouco faz muito. O rabugento Albert interpretado por Arkin é sem dúvida a prova disso, uma persona extremamente engraçada realizada com muitos poucos recursos, apenas a consciência de um ator.

Parece, então, que são esses três atores que entendem perfeitamente a essência de Despedida em Grande Estilo (mais até que os próprios realizadores). São eles que conseguem empregar esse humor desprovido de grandes pretensões, onde a comédia resiste na pura e simples surpresa, na aparição de um elemento inusitado. Espera-se que não seja a despedida de filmes como esse.

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