Fala-se muito das comédias nacionais. Será de fato interessante quando, daqui a alguns anos, poderemos olhar para trás e de fato termos convicção das consequências, em qualquer sentido, dessas comédias para o cinema nacional. E se muito já foi dito, é preciso sempre trazer à tona e relevar que simplificar tudo a um preconceito frente ao Brasil e a seu cinema, além de demonstrar certa debilidade de conhecimento histórico e crítico, é uma argumentação a qual o erro é uma decorrência certeira. Essa leva de chanchadas da atualidade, não tão carinhosamente chamadas por uns de “globochanchadas “, são obviamente uma inspiração da linguagem hollywoodiana. Na verdade, por vezes me parece muito uma linguagem hollywoodiana baseada nas comédias dos últimos 30 anos – em um estilo típico de Sessão da Tarde, talvez aproveitando essa confeição do público brasileiro ao estilo de comédias que passam na TV aberta.
Podemos falar, talvez, que tais comédias, em geral, não têm uma profundidade narrativa imponente e utiliza de composições muito genéricas para pontos cruciais da trama. Lembrando sempre que, precavidamente, me refiro a essa acusação apoiado no termo “em geral”. Contudo, umas são, obviamente, melhores que outras. Doidas e Santas, possivelmente, não está nesse pelotão do “melhores que outras”.
O filme é bem intencionado no seu tema. Na verdade, é fato que ele fará com que muitos dos espectadores, sobretudo se vindos de um contexto de classe média, se identifiquem com a história do roteiro. Beatriz, vivida por Maria Paula, é uma mulher que foi transformada em uma máquina, reduzida a sua profissão. Passa horas do dia sob o estresse do tipicamente moderno estilo de vida voltado para o trabalho, para os compromissos formais e profissionais… enfim, essa lógica industrial que desumaniza ao acorrentar um sujeito à sua profissão, preso assim também com o entediante e frustrante cotidiano que é pautado pela sua rotina no trabalho. Contudo, vê que aos poucos se afastou da família, esmaeceu sua relação com o marido – um sujeito tão quanto entediante como a sua rotina, é verdade – e entrou em um lapso de estresse do qual não sabe fugir. Agora, decide recomeçar sua vida, tendo ciência da condição indesejada que essa tomou. Divórcio, reaproximação da filho, novas experiências amorosas após o fim frustrado de um longo casamento…
É nítida a relação com uma sociedade workaholic e massificada traçada. Mas vamos com calma. Até porque, Kurosawa já dizia que, com um roteiro deficitário, nem mesmo o maior dos diretores conseguiria fazer um filme notável. E no caso de Doidas e Santas o roteiro tem lá suas questões. Primeiro, a forma artificial como traça suas cenas, recheado de situações genéricas – sobretudo, nas falas que beiram a caricatura das mais forçadas. Segundo, porque a própria narrativa é demasiadamente genérica, previsível e desapontadoramente óbvia. Tudo se resume a estereótipos neste longa, e por consequência, tudo é genérico. Não há nada que possa se aproximar do verídico, as situações se rebaixam a padrões de estereótipos dos mais superficiais.
Contudo, não é somente o roteiro que prejudica o longa. Se este somente consegue ser genérico e vazio, a direção ecoa este genérico e vazio para os vários aspectos do filme. A artificialidade das cenas e obviedade da trama faz par com a fotografia sem identidade, a montagem não só genérica como também caricata e pautada em lugares-comuns que reforçam a impressão caricata que ficamos das cenas mais trágicas – contradição que somente reforça a falta de identidade do longa – e as atuações que, ao reforçar a mera redução a rótulos vulgarmente imitados, não retiram seus personagens de um estado vazio de expressividade, artificial e apático.
Além, claro, de tudo isso somente tornar a narrativa mais pobre. A forma como se escolhe contar essa história é, como muito desse filme, friamente genérica e apaticamente previsível. As reviravoltas, nada empolgantes, correm desesperadamente para os lugares-comuns mais insignificantes e infames da linguagem comercial. Quando se vê, tudo é tão grotescamente recitado dos padrões mais vulgares de se ser genérico e vago que estamos em filme cujo nível de mise-en-scène é caricato e parodioso. Há, contudo, a ressalva de uma cena, passada nas redondezas do bairro de La Boca, na Argentina, onde situa-se o time do Boca Juniors, que graças a bem conceituada (origina-se de forma coerente e imprevisível na trama) forma que se sucede, é gargalhável.
E sobre a questão da sociedade workaholic e massificada, sim, é uma crítica feita pelo roteiro que, muito bem visualizada, é verídica. Contudo, este, o roteiro, a rebaixa a uma mero problema individual de Beatriz, culpabilizando-a pelo estado caótico de sua vida e, consequentemente, rebaixando-se ele mesmo, o roteiro, em um texto banal e barato de auto-ajuda em tempos cuja complexidade do problema é muito mais sistemática, estrutural e coletiva do que a mera auto-ajuda – também, como muito desse filme, genérica e relés – do filme tem a nos mostrar. Em tempos nos quais, pensando este setor médio do qual é filha Beatriz, as relações virtuais e o tom workaholic levam à solidão, o culto à imagem e a indústria cultural levam à despersonifiação, as tensões sociais levam à insegurança, o repetitivo cotidiano insignificante leva ao tédio e a alienação leva à futilidade, apenas colocar este tema com a superficialidade a qual se assume em Doidas e Santas – dado o histórico debate artístico e sociológico em torno desse mesmo tema – significa poder criar hipóteses de que, talvez, se quer vender uma ilusão reconfortante no melhor estilo “feel-good movie” ou individualizar mais do que deveria a culpa pelo que Beatriz sente.
E por fim, é preciso reforçar a forma vulgar e de intenção pejorativa a qual o longa representa a periferia e as pessoas de origem periférica. Sotaques parvos, desajustados, nomes exóticos e atrapalhados, fala gritante e estabanada… a forma a qual se caricatura a periferia tem um veneno muito menos aplicado às representações da classe média de Beatriz, cujo estilo de vida é muito menos achincalhado.
Por fim, Doidas e Santas acumula lá umas tantas decepções. A vulgaridade com a qual é construído o debilita muito, e o suporte que tem em lugares-comuns inexpressivos, inverídicos, e sem criatividade – óbvio e desestimulante – de construir sua trama estão por trás disso. Além do mais, a artificialidade comercial dos personagens levam à apatia.