Críticas

Crítica | É Apenas o Fim do Mundo

Xavier Dolan é um daqueles diretores que em pouquíssimo tempo foi abraçado pela crítica. Com apenas 16 anos, Dolan já circulava pelo tapete vermelho de Cannes e colecionava prêmios, despontando de imediato como um dos grandes nomes do cinema contemporâneo. No entanto, se o mundo do cinema de arte já canonizou Dolan, este fato pode ter anestesiado boa parte da capacidade e potência de seu cinema. É Apenas o Fim do Mundo é um exemplo disso, filme que se constrói a partir do exagero do estilo precoce de seu autor.

A trama narra a história de Louis, um jovem escritor que após doze anos longe da família volta para casa, a fim de dar uma má notícia a todos. Todavia, a chegada de Louis implica na retomada de uma série de antigas memórias, desafetos e rancores, fazendo com que aquela reunião se torne uma verdadeira explosão de nervos. Assim como os outros filmes de Dolan, as relações familiares são cacos aparentes, em que a comunicação é praticamente impossível; existe uma relação tempestuosa entre mãe e filho; a sexualidade é mais um ponto de choque no seio familiar; além das constantes idealizações de uma mente adolescente. Todos esses pontos estão presentes em É Apenas o Fim do Mundo.

O longa de Xavier Dolan é justamente sobre essa falta de comunicação, sobre esses laços impossibilitados de serem reatados. Um filme em que os personagens não conseguem se ouvir. Nos gritos e na montagem em excesso, o que há em É Apenas o Fim do Mundo é uma sobreposição de falas que estão ali apenas para agredir. No longa há o caos, um estado permanente em que aquelas personagens encontram-se, Louis não é o fator que provoca esse choque, muito menos o messias que restaura a paz. O que resta ali não é um cinema de movimentos dramáticos, mas de uma trama que gira em torno de si mesma, como se nada captado pelas câmeras fosse mudar o que se vê, num constante movimento sem direção, sentido, ou até mesmo objetivo.

Dessa forma, seguindo seus padrões estilísticos de Dolan, É Apenas o Fim do Mundo não é um filme do registro, da observação de um momento comum. Mas sim da extrema dramatização, a câmera de Dolan está sempre num big close de seus personagens, parecendo que qualquer coisa é passível de uma possibilidade emocional. A questão é que nesse sentido, uma simples salada sendo preparada toma contornos dramáticos, evidenciando um cinema do excesso total.

Excesso este que não se encontra apenas na tentativa de fazer planos belos, ou na onipresença de sua trilha brega pop, mas sim na banalização das emoções. Num claro ruído da linguagem audiovisual, em É Apenas o Fim do Mundo há a dramatização do banal, como se o filme transbordasse de sentimento, fato que não ocorre. Há em muitos momentos, passagens que revelam ser apenas um momento cotidiano sendo tratado como se fosse o ponto mais importante do mundo. Um filme que não consegue distinguir as importâncias dos temas que ele próprio aborda.

É curioso notar que o filme é baseado numa peça escrita por Jean-Luc Lagarce, porém Dolan recusa completamente os preceitos teatrais. Não que o cinema tenha sempre que respeitar a arte que está na sua gênese, no entanto a mise-en-scène de É Apenas o Fim do Mundo distancia-se completamente do espaço cênico, o filme de Dolan é um longa de rostos, não de espaços. Escolha estética? Com certeza, mas tal opção revela que a obra prende-se a um mundo muito mais interno, restrito exclusivamente ao interior de seus personagens, do que ao mundo material das relações humanas. É Apenas o Fim do Mundo é um filme do ego, em que a pretensa imersão psicológica impossibilita o filme saber o que de fato é dramático e o que é exagero.

Incapaz de escancarar as relações familiares, mesmo que estas conexões estejam esfaceladas, o longa faz apenas um retratado superficial de um psicológico em crise, não conseguindo nem mesmo aprofunda-se naqueles personagem, o longa parece apenas evidenciar lamúrias em formas de grito, ficando no meio do caminho entre a investigação interna sentimental e a externa familiar. O cinema excessivo de Xavier Dolan não consegue se desprender de suas referências internas, de seus traumas e de seus temas, sendo incapaz de sair de seu ego, nem para mergulhar no ID (âmbito psicológico), muito menos para constatar o super-ego (relação familiar).

É Apenas o Fim do Mundo revela, acima de tudo, que na crença cega na sua figura como autor, Xavier Dolan, mesmo com apenas 27 anos, não consegue propor algo de novo, não consegue reavaliar sua própria obra e seu projeto de cinema para surpreender. Assim como seus personagens, Dolan está preso na sua face de garoto prodígio, incapaz de perceber o que está a sua volta e as possibilidades que tem a oferecer.

Sair da versão mobile