Extraordinário praticamente dispensa apresentações; baseado no best-seller de R. J. Palacio, a história já conquistou uma enormidade de fãs e um longa era mais do que esperado. O livro, assim como o filme, vem de uma leva de obras que relacionam a adolescência a questões mais sérias, ligadas, sobretudo, a uma questão de saúde, seja um câncer, a depressão ou até mesmo uma má formação do rosto como é o caso da obra em questão. Filmes e livros como As Vantagens de Ser Invisível, A Culpa É das Estrelas e agora Extraordinário aliam essa narrativa açucarada e dramática com uma lição de moral extremamente clara para seu público.
O longa em questão é dirigido por Stephen Chbosky, responsável pela adaptação cinematográfica de As Vantagens de Ser Invisível, e com essa bagagem de levar um sucesso editorial do mesmo estilo, ele também fica encarregado do roteiro, trabalhando com Jack Thorne e Steve Conrad, num claro objetivo de cooptação emocional do público e de uma relação empática, onde as situações vistas remetem a uma memória recente do espectador, algo que transforma essas narrativas em algo muito próximo de quem assiste. Esse misto da história edificante, com um personagem desfavorecido numa jornada de crescimento, com um grande apelo afetivo e totalmente próximo ao universo do público faz com que essas obras tenham um potente atrativo.
O mais interessante em O Extraordinário é que o filme parece entender o que significa esse afeto entre a obra e seu público, algo que não tem nada a ver com a exploração de uma doença ou condição física, mas sim a partilha de sentimentos comuns com um personagem que se sente diferente dos outros, esse é o grande trunfo do longa. A questão não é a doença em si, ou como isso torna aquele personagem diferente, mas sim como isso é presente no íntimo de cada espectador. Ainda que haja a trilha extremamente melodramática e ações que claramente estão ali apenas para provocar emoção, Extraordinário entende a palavra afetividade.
O filme é uma bela combinação entre melodrama e comédia, sendo esta a chave de sua tão sincera afetividade. Não é porque na trama existe uma doença que todo o filme deve ser carregado de um drama exagerado, fazendo com que haja ali momentos divertidos e outros um pouco mais tensos, não é só para Jacob que o primeiro ano numa escola nova é extremamente amedrontador, é claro que por sua condição e por ter sido sempre educado pela sua mãe tudo aquilo tem um ar de ineditismo muito maior, fazendo com que todas suas sensações sejam ainda mais afloradas. Isso é contornado com a imaginação e com o humor, situações estas que mais enriquecem o longa.
Às vezes, Auggie imagina uma situação absurda para contornar as adversidades, como quando entra na escola com o Chewbacca, pois os dois seriam diferentes. Ou as ótimas piadas entre Auggie e seu amigo JackWill que tiram qualquer senso de piedade em relação aquela criança, evidenciando o quão é comum a infância daquele protagonista. É interessante como essa visão da pré-adolescência pelo ponto de vista desse personagem sempre tratado como um estranho humaniza essa causa, faz com que essa construção do personagem seja feita de dentro para fora, evitando uma construção estereotipada.
Mais interessante ainda é como o filme utiliza outros pontos de vista para tratar do personagem principal, dando um espectro de 360 graus sobre aquele protagonista. Estratégia narrativa que funciona muito bem, uma vez que uma ação ou um fato ganha em força quando se vê de dois ou mais pontos de vistas. Além disso, essa estratégia faz com que a obra evidencie que essa fase não é complicada apenas para Auggie que tem sua diferença estampada na pele, mas também para outras pessoas, como sua irmã Via, ou como a antiga companheira da família, Miranda, ou ainda o melhor amigo do garoto JackWill, algo que faz com que o filme se aprofunde nos sentimentos de toda uma geração, fazendo um belo mosaico das vidas que estão ao entorno daquele garoto.
Muito disso funciona pelo fato do elenco estar extremamente bem alinhado, começando pelo talentoso Jacob Tremblay que aqui demonstra todo seu carisma, saindo-se extremamente bem nas tiradas cômicas que fazem com que o filme saia do sentimento de piedade. Assim como o elenco infantil demonstra extrema naturalidade, realmente transpondo esse lugar que poderia ser qualquer escola de bairro. E se esse ambiente juvenil constrói bem um lado leve da película é Julia Roberts que carrega a emoção do longa, que sempre num jogo de olhares sente-se a emoção daquela mãe, algo que ecoa no papel da irmã Via, interpretada por Izabela Vidovic que encarna uma espécie de melancolia adolescente com muita sutileza e seriedade.
É bom ver como o trabalho de atuação contorna bem situações que poderiam cair no puro e simples melodrama exagerado. Assim, Extraordinário é um filme alinhado em fugir de um retrato simples dessa criança com suas diferenças enfrentando um mundo hostil. É claro que pela importância de sua mensagem há um aglomerado de frases de efeitos que surgem como puros ensinamentos, ou algo que poderia estar num livro de autoajuda. Embora esse elemento funcione para ratificar suas mensagens, claramente essa é uma questão prejudicial em relação a como aquelas falas soam pouco realistas.
Talvez essa questão afetiva e tão próxima a um universo comum faça com que o longa deseje estar constantemente nesse universo fictício. Dessa forma, há uma grande quantidade de eventos e ações que afastam qualquer tipo de concisão no filme, havendo um acúmulo de informação muito grande. Principalmente a última parte do longa é marcado por momentos construídos após todos os conflitos já estarem resolvidos, algo que deve de qualquer maneira agradar o público uma vez que ali encontram-se os típicos finais felizes de todos os personagens.
Evidente que Extraordinário seja um longa que necessite dessa aceitação popular e nisso encontra-se alguns desses problemas. Todavia, por tratar de forma tão sensível seu tema e seus personagens é um filme que acaba desgrudando de algo com simples desejos comerciais. Em um belo plano, Auggie e seus novos amigos ficam em frente a um lago, após todos terem se ajudado numa briga de adolescentes, independentes de suas diferenças, algo que remete ao clássico juvenil Conta Comigo (1986), e Extraordinário faz bem essa nova composição de uma nova imagem adolescente com suas virtudes e problemas.