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Crítica | Fantástica

Em um mercado dominado por animações de grandes estúdios norte-americanos, é sempre curioso quando produções animadas de outros países conseguem garantir distribuição mundo afora sem que tenham sido indicadas ao Oscar – nem mesmo a indicação à estatueta garantiu uma estreia a tempo para A Ganha Pão. Mesmo que os EUA ainda sejam os reis desse pedaço, financeiramente falando, territórios como a Rússia e a China agora exportam seus sucessos de bilheteria com certa frequência, e isso nos traz ao lançamento da animação chinesa Fantástica, selecionada pela rede de cinemas Cinemark para exibição em seu circuito.

Apesar do título não indicar muita coisa, Fantástica já é o quinto longa-metragem de animação a se passar no mundo dos Boonie Bears, personagens que tiveram sua origem com uma série de televisão chinesa. O seriado se apoia em um conceito muito simples: Briar e Bamble, uma dupla de ursos irmãos, impedem sucessivamente, a cada episódio, os planos do caçador Vick, que quer desmatar a terra mágica onde vivem, conhecida como Middle Kingdom. Neste filme, as corridas de gato e rato são deixadas em um nível mínimo, já que uma ameaça maior paira sobre o reino animado, forçando os ursos e o caçador a formarem uma inesperada aliança, ajudados ainda pela robôzinha Coco.

Pelo visto, não é necessário assistir ao seriado para entender as personalidades da dupla de ursos: um é mais ranzinza, o outro é bobo. O caçador, por sua vez, deixa de apenas ser a figura do antagonista cujos planos são sempre arruinados para se tornar um canal para a mensagem principal do filme: aprender a priorizar a vida e o bem-estar de outros sobre a ganância e o ganho pessoal. Essa transformação é representada pela leitura que Vick faz de um livro de auto-ajuda intitulado “Como Ganhar 10 Milhões de Dólares”, cujo autor se chama Gill Bates. Trata-se de uma sacada muito óbvia, mas é interessante ver uma produção comercial, especialmente de um país como a China, comunicar temas como esse às crianças.

A ameaça que aflige os heróis também se revela mais interessante do que inicialmente esperado. Com a invasão de Middle Kingdom por malfeitores cujas feições são estranhamente mais realistas que a do resto dos personagens – e isso é muito bem explicado pelo que direi a seguir -, há uma brecha entre as dimensões real e animada. Além disso justificar uma inusitada mescla entre computação e live-action em um breve momento, essa é a porta de entrada literal para outra mensagem: a da importância das animações como um meio de exaltar a infância e a leveza que só essa fase da vida apresenta. Isso confere uma leve pitada bem-vinda de metalinguagem à produção e talvez seja o que chamou a atenção de sua distribuidora brasileira.

É uma pena que as peculiaridades de Fantástica fiquem por aí, já que o resto da experiência se atém a inúmeros lugares comuns já esgotados por animações ocidentais. Há uma insistência excessiva em canções com letras inspiradoras durante o filme todo, naquelas ocasiões clichês em que os personagens caminham pela floresta e fortalecem sua amizade ou quando tudo parece perdido e todos estão na fossa. A subtrama sobre um povoado mítico e um valioso artefato também caem no mais do mesmo, sendo desenvolvidas com sem profundidade ou originalidade – uma personagem que surge posteriormente tem seu visual claramente inspirado na heroína do clássico Princesa Mononoke, mas sem herdar dela um pingo da personalidade.

Fantástica também me deixou com a sensação constante de estar assistindo a um jogo de videogame, e isso não se deve apenas à computação gráfica que, embora decente, não conta com a mesma fluidez de produções maiores. A trama literalmente chega a parar em seus trilhos para inserir um trecho de solução de quebra-cabeças (também conhecidos como puzzles), no qual os personagens devem ajustar a direção de um feixe de luz para abrir uma porta mágica. Mesmo que haja uma boa piada visual ao final da sequência, não acho que cenas como essa tenham apelo para além dos jovens que já tem o videogame como segunda natureza, algo que já foi reforçado este ano pelo decepcionante Tomb Raider: A Origem. No entanto, já que o público pretendido de Fantástica são justamente os mais jovens, deixo isso apenas como um detalhe que situa a animação firmemente nesses novos tempos. As cenas de ação, por sua vez, conseguem entreter bem mais, justamente pelo dinamismo com o qual são “captadas”, aproveitando bons efeitos de dilatação de tempo e usando os poderes dos heróis e vilões com criatividade.

Se colocarmos Fantástica na mesma balança que as encarecidas animações ocidentais que chegam todo ano aos cinemas, as comparações negativas são inevitáveis. Porém, caso esqueçamos da concorrência e vejamos a aventura dos Boonie Bears pelo simples propósito de entretenimento para curtir com os pequenos, a produção chinesa não se sai mal, conquistando a simpatia do público por seus personagens (até então) desconhecidos e trazendo seu coração no lugar certo, sem também exagerar nas lições de moral e mantendo um ritmo ágil do começo ao fim.

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