Críticas

Crítica | Fome de Poder

Fome de Poder tem início com um super close de Ray Kroc (Michael Keaton) fazendo um inspirado discurso para vender uma máquina de milk shakes. Mais do que a venda de um produto, o que ocorre naqueles minutos iniciais é a exposição de um pensamento por trás de um personagem e, até certo ponto, do próprio filme e no caso desse filme uma certa ideologia por trás de uma marca.

O longa dirigido John Lee Hancock (Um Sonho Impossível) narra a história do primeiro CEO do McDonald’s e como esse homem transformou uma pequena lanchonete no meio oeste dos EUA na maior rede de alimentos do mundo. A resposta é simples, passando por cima de tudo e todos, até mesmo dos inventores da marca. Assim, desde aquele primeiros minutos, o que se sabe do protagonista, Kroc, é sua ambiguidade, sua complexidade, sua ambição e vontade de vencer.

O personagem parece um forte candidato a habitar a vitrine dos homens que fazem sucesso no imaginário do audiovisual, tendo um quê de Walter White de Breaking Bad, Francis Underwood de House of Cards, Jordan Belfort de O Lobo de Wall Street, ou Tony Montana do clássico Scarface. Contudo, é aquele discurso inicial que confunde da pior maneira o que o filme deseja vender com aquela figura.

Se esses personagens cativam o público é justamente pela sinceridade que suas obras o tratam. Desde sempre, sabe-se de suas ações impuras e é o toque de humanidade acerca dos vilões, ou de como seus atos ilícitos se aproximam dos desejos mais sórdidos do espectador, é que tornam essas figuras tão chamativas. No caso de Fome de Poder parece que a própria obra se perde na complexidade de seu protagonista, como se Kroc, através de sua lábia, ludibriasse roteirista e diretor.

Muito disso se deve ao fato de como a personagem é representado ao longo da projeção. Durante a primeira metade do longa, Kroc é o homem com o sonho americano dos anos cinquenta, alguém que almeja, através de suas forças, possuir sua ascensão social. Nesse sentido, o protagonista é colocado como um herói a ser seguido pelo público, cada negativa recebida por aquele homem é sentida pelo espectador, cada ideia que pode vir a ser um sucesso é pontuada com uma trilha grandiosa – embora extremamente comum – concebida por Carter Burwell, o sucesso de Kroc será o sucesso de seu público, nesse primeiro instante não há ambiguidade ou algo do gênero, mas sim a força de vontade de um homem comum.

Quando ocorre o encontro entre Kroc e os reais criadores do padrão McDonald’s é como se o protagonista estivesse realmente achando a chave de seu sucesso. A questão é que mais uma vez a representação ocorre de maneira problemática levando em consideração os objetivos fílmicos. Os irmão McDonalds são construídos como se fossem empreendedores caseiros, despreparados frente ao progresso, já Kroc é o homem de visão que se vê diante de uma grande oportunidade. Os embates entre os personagens sempre revelam essa faceta, a coragem do progresso versus a acomodação do sucesso regional. O que faz novamente de Kroc um personagem semelhante aos sentimentos mais nobres do espectador, levando a crer que aquele homem merece o sucesso.

Sendo assim, é extremamente complicado quando o longa deseja inverter essa situação. A imagem de Kroc como o self-made man que trabalha por sua oportunidade é rapidamente cristalizada, derrubá-la após uma construção tão cuidadosa, torna-se praticamente impossível. É como se Fome de Poder lutasse com um sentimento presente desde o início no longa. Kroc nasce afável ao público por ter omitido sua faceta mais suja, acreditar nesse lado obscuro depois de estar em contato apenas com a face mais limpa é quase inconcebível. Dessa forma, é o longa que se torna contraditório e não seu personagem. Como se de repente, o público devesse odiar aquilo que lhe foi vendido como algo totalmente amável.

Dessa maneira, é bem difícil crer nessa curva dramática do personagem, como se o longa da mesma forma que elogia, também critica, como se alterasse sua visão do que aborda sem uma ruptura completamente visível. E se esse pensamento está completamente aliado a figura de Kroc, o filme gira em torno de Michael Keaton. Todavia, é perceptível como essa contradição de Fome de Poder afeta negativamente a performance do ator, como se não fosse possível que ele trace a real persona de seu personagem, fazendo com que Keaton reprise suas piores características, um excesso de seus maneirismos e suas caras e bocas.

Assim, se é confusa a representação de Kroc e se a atuação de Keaton não chega a nenhum brilhantismo, também é difícil ser captado pelo longa. Embora o trabalho de Hancock concentre-se em construir um filme didático, em que as informações fiquem sempre clara ao espectador, Fome de Poder tem um ritmo que não beneficia sua ficção. Pelo fato de possuir uma história interessante sobre uma marca mundialmente conhecida, o filme tenta colocar um série de curiosidade ao caso, como se não tivesse um filtro do que realmente importa dentro do que foi elegido como central em sua narrativa. Fome de Poder parece ter uma série de parênteses narrativos, em que o fio condutor do longa é cessado para que se concentre em transmitir algumas informações sobre o McDonald’s, por exemplo, a longa sequências em que os fundadores da lanchonete explicam num longo flashback o modelo de cozinha presente no restaurante.

Nesse sentido, o filme parece ter seu atrativo muito mais em sua curiosidade como uma das maiores redes de fast food do que por sua força narrativa. Se é interessante entender como todo esse império se deu, também é necessário notar que o filme não consegue fazer disso um filme conciso e objetivo, não vendendo bem um personagem que poderia estar na galeria de grande figuras do audiovisual.

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