O Brasil durante os últimos anos passou a ser um grande consumidor de programas culinários, algo que antes ficava restrito apenas a uma parte de exibições matutinas na televisão aberta, agora ocupa os horários mais nobres dos canais mais variados. Isso criou um mercado que praticamente se retro alimenta, como realmente uma comida que não é possível parar de experimentar, a cada programa realizado surge outro que parece aguçar ainda mais aquele público. De programas de receita a realitys sobre food trucks, passando por competição de chefes, programas de viagens exploratórias de comida, entre tantos outros, fato é que o mundo da gastronomia está completamente inserido no audiovisual brasileiro.
O pensamento é simplista, mas numa lógica de produção visando a aceitação do público, a conclusão poderia ser apenas uma: “se dá certo, por que não está no cinema?” Dessa maneira, Gosto se Discute pretende atrair o público gastronômico da televisão para as salas de cinema tela grande. É bem verdade que isso já funcionou nos EUA – país que impulsionou essa febre gastronômica – com filmes como Chef, com Jon Favreau, Pegando Fogo, com Bradley Cooper, e Sem Reservas, estrelado por Catherine Zeta-Jones e Aaron Eckhart. Todavia, é bom lembrar que a onda aprisionadora do cinema comercial brasileiro imitar tendências americanas nem sempre foi um bom caminho, algo não visto nem mesmo nas grandes comédias de sucesso existentes por aqui.
O que Gosto se Discute tenta fazer então é a união de um cinema que dá certo por aqui e essa tendência que satisfaz o público atualmente. Assim, se a comédia escrachada, pastelão que levava tanto público ao cinema não está funcionando tão bem, uma espécie de sofisticação vem com essa temática gastronômica. Gosto se Discute é um filme de antigos preceitos já desgastados com uma simples e desesperada tentativa de reencontrar seu público.
Dirigido por André Pellenz dos recentes sucessos de públicos D.P.A – O Filme e Minha Mãe é Uma Peça, o longa que chega aos cinemas em 2017 mantém uma mesma característica dos seus filmes anteriores, a importação de um elemento que já faz sucesso antes do filme, aqui algo materializado na figura de Kéfera, além dos já comentados sucessos gastronômicos. A atriz funciona mais ou menos como Paulo Gustavo em Minha Mãe É uma Peça, um ator que chama atenção pelo que já representa, no caso dela provindo de seu canal no YouTube, foi assim que Kéfera proporcionou uma grande bilheteria ao seu primeiro filme, É Fada!.
Fato é que as coisas são um pouco diferente em Gosto se Discute, como se nenhuma dessas estratégias surtisse algum efeito de fato. Kéfera, com certeza, tem muito menos habilidade para levar um filme inteiro em suas costas, algo que faz Paulo Gustavo ter alcançado tanto sucesso (ainda que possa ser discutido os caminhos do humor do ator). Todavia, o filme sabe muito bem disso, e a protagonista divide a maior parte de seu espaço com Cássio Gabus Mendes, interpretando um quase falido chefe de cozinha, como se essa figura central do filme de comédia se perdesse.
A questão é que Gosto se Discute demonstra certa dúvida própria se deve realmente romper com a recente tradição de comédia e abraçar de fato um humor mais sério e bem menos escrachado. Assim, as figuras principais não são de fato os humoristas, Kéfera (diferente de É Fada!) faz o papel de uma agente bancária disposta a quase tudo para salvar um restaurante, já Cassio Gabus Mendes um chefe de cozinha cabeça dura fiel a sua arte, mesmo que ela precise de uma revisão. Esse poderia ser um duo que funcionasse, todavia, esse ponto dramático do filme é podado com uma série de caricaturas, que não combinam com o pretenso humor mais refinado.
É como se o filme surgisse dessa tradição recente do cinema popular que demonstra seu desgaste e nunca conseguisse se desprender. O que fica é um longa onde seu plot principal parece habitar um tom completamente diferente do restante da obra. Os estereótipos que ali existem fazem com que seja impossível acreditar naquele filme. Os garçons de diferentes partes do país ressaltando seus falsos sotaques e trejeitos, a workaholic jovem e mal-amada, um médico alcoólatra totalmente estranho e o rival do protagonista, um jovem milenial paulistano que adora termos inglês e tendências. Essas sãos personagens tão premeditadas e caricatas que dão a sensação de estarmos diante de um pastelão culpado por aquilo que entrega, tentando de alguma maneira mostrar seu refino.
Gosto se Discute é humor refinado sem refino, que se leva a sério sem conseguir construir seu drama, abrindo-se a estratégias que funcionam apenas para aquela comédia desgastada. Assim, esse seu texto com um quê de comédia dramática não funciona, o drama dos personagens nunca parece tão importante, disputando espaço com piadas totalmente fora do tom. Nem mesmo a gastronomia funciona como refino, repetindo apenas o mesmo procedimento visto nos novos programas culinários, ingredientes sendo cortados e cozinhados em câmera lenta, enquanto a receita e inspiração do chef vai sendo colocada em off.
O refino também fica aquém nas coisas mais simples, e uma frase de efeito como não conseguir fazer nem o feijão com arroz sairia muito bem, se não fosse o bom senso. Gosto se Discute demonstra equívocos nas coisas mais simples, por exemplo, o trabalho de todo o elenco, que nunca parece natural, ou confortável com seus papéis e o texto do filme. Todos ali estão engessados, sem que haja realmente verdade naquilo que se vê, a comédia com pontos dramáticos, torna-se um filme de atuações que não combinam com o resto do longa, que corrobora a incerteza do projeto em relação ao tipo de cinema que gostaria de fazer.
O longa talvez careça de uma figura central extremamente cômica que conquistasse o público quase que a força, ou talvez o que ficou pautado tenha sido o desafio de sair desesperadamente de um tipo de cinema que fazia sucesso até outro dia, nessa fuga mal planejada, demonstra-se uma dificuldade em fazer um outro tipo de humor. Algo que nada tem haver com rejeição do público com algum refino, mas pela incapacidade de Gosto se Discute trabalhar com um humor diferente, algo que não pode ser salvo nem mesmo por uma nova tendência do audiovisual.