Críticas

Crítica | Jogo do Dinheiro

É impossível assistir a Jogo do Dinheiro e não ter no mínimo uma reflexão a cerca da relação da mídia com a sociedade, fatores tão bem explorados por Guy Debord em 1967 com o icônico A Sociedade do Espetáculo, na qual evidencia que todas as relações sociais seriam mediadas por imagens, ocorrendo uma notória desconexão entre o mundo real e essas imagens que permeiam o cotidiano.

Nesse mundo, todo fato torna-se parte de um espetáculo, por mais complexo e importante que seja essa sociedade tratará os acontecimentos como se fosse um show de entretenimento, sendo coberto da maneira mais superficial e sensacionalista por milhares de câmeras. Não é preciso dizer que essas questões levantadas por Debord há quase 50 anos só tornaram-se ainda mais exageradas nas mídias digitais, qualquer acontecimento é passível de tornar-se um meme.

O filme de Jodie Foster acontece numa das capitais da sociedade do espetáculo, Nova York, dentro de um estúdio televisivo, o aparelho que faz o show acontecer. Ali acontece Money Monster, um programa extremamente sensacionalista que oferece dicas certeiras para investimentos na bolsa, com direito a garotas de biquínis, piadas de gostos duvidosos e uma série de efeitos especiais ruins, comandado por Lee Gates (George Clooney), que segue fazendo suas previsões financeiras mesmo que uma de suas dicas tenha gerado um prejuízo de 800 milhões de dólares, mas tal fato é tratado como mera causalidade pelo jornalista.

Nessa conjuntura, um espectador furioso, Kyle Budwell (Jack O’Connel), falido por causa das adivinhações econômicas de Lee, invade o estúdio e faz o apresentador e sua equipe reféns em busca única e exclusivamente de uma explicação e um pedido de desculpa. Logo Kyle pede para ficar no ar e sua trajetória torna-se um grande espetáculo.

Jogo de Dinheiro evoca fortemente dois filmes seminais dos anos 70, Um Dia de Cão e Rede de Intrigas, ambos do diretor Sidney Lumet, parecendo ser uma mistura atualizada das duas obras – e isso é um grande elogio. Foster, assim como Lumet, é inteligente ao ridicularizar essa indústria do entretenimento não apenas como mostra os fatos que ocorrem durante os 98 minutos, mas também ao mostrar a forma como Lee tratava o mercado financeiro, sem compromisso algum com a realidade ou importando-se com seu compromisso diante de um público que comprava suas ideias, uma vez que se mostrava como um verdadeiro guri econômico.

Além disso, é interessante nota como Jogo de Poder coloca em confronto os lados opostos de um sistema baseado no acúmulo de capitais e que todo artifício para isso é válido, dessa forma, de um lado há a ponta mais frágil da corda, representado por Kyle, e a ponta pais pesada, que é o próprio Lee, quando acorda arrebenta quem recebe todos os danos é esse lado mais leve; o apresentador nem se quer tem consciência dos prejuízos causados por suas ações e dos empresários que beneficia.

Assim, aquele cárcere funciona como um choque de realidade para o apresentador, o personagem que é extremamente marginalizado pelo sistema traz a compreensão do mundo de verdade para aquele mundo de imagens vazias que é a televisão, é nesse processo que nota-se como aquele homem que empunha uma arma numa atitude tão radical é na verdade tão humano quanto qualquer espectador diante de uma situação desesperadora como aquele, assim como os assaltantes de Um Dia de Cão. E nessa dialética quem acaba ganhando humanidade é o próprio Lee, num arco de personagem bastante interessante.

Nesse contexto, Foster e seus três roteiristas são cuidadosos para não caírem num discurso demagógico, em que essa virada do papel do inescrupuloso apresentador seria da água para o vinho e faria o bem para aquele jovem coitado. Felizmente, Jogo do Dinheiro não vai para esse lado e consegue afastar isso de maneira bastante interessante, através de um humor sarcástico que chega a gerar incômodo pelo que está acontecendo, a comédia nesse caso, novamente como nos dois filmes de Lumet, servem para tirar o espectador da trama e fazer com que reflita sobre o que está ocorrendo e que também ocorre na vida real.

Assim, o longa é bastante ácido ao abordar seus temas não poupando nenhum de seus personagens, ali, de maneira bem irônica, quase todos tem seus podres revelados, e isso sempre vem numa quebra de expectativa bem instigante, a principal delas quando a namorada do sequestrador liga para ele numa tentativa de sensibilizar o homem (outra sequência que evoca Um Dia de Cão), mas a garota acaba ao vivo com Kyle, numa das cenas mais engraçadas, sarcásticas e funcionais de Jogo do Dinheiro.

E funcional é um adjetivo perfeito para o filme, uma vez que traz todo esse conteúdo crítico-social em seu subtexto, bem evidente, verdade, porém de forma muito mais sutil do que a grande maioria dos filmes. Sendo assim, Jogo do Dinheiro funciona muito bem também como um simples thriller, e aqui vale ressaltar o trabalho de Jodie Foster na direção. Ela entrega um trabalha extremamente eficiente e acima da média, realizando um filme muito conciso; é impressionante como a diretora apresenta de maneira muito visual seus personagens e tramas sem cair em planos e diálogos explicativos, e vale ressaltar que existe uma diferença bem grande entre concisão e pressa que Foster compreende muito bem.

Além disso, é notável como a cineasta consegue construir grandes momentos em que orquestra muito bem a tensão cênica, em diversas sequências Foster extrai o máximo de interesse das situações, resultando num filme que prende totalmente a atenção. Com tudo isso é difícil entender o motivo pelo qual Jodie Foster ainda não tem uma carreira consolidada por trás das câmeras.

Com isso, Jogo do Dinheiro é um filme que chama bastante atenção, não só pela sua eficiência técnica-narrativa, nem só por seu conteúdo crítico, mas por conseguir conciliar os dois de forma exemplar, trazendo questionamentos profundos dentro de sua estrutura cheia de suspense. O longa consegue ainda fazer uma autocrítica muito honesta, e com simples planos evidenciar como aquela história será abordada após o ocorrido naquela trama, na coragem dos atos daquele homem, que desafia toda sociedade do espetáculo está fadado, como qualquer outro assunto hoje em dia, a tornar-se um meme. E Jogo do Dinheiro consegue enxergar como a ação de simplesmente desafiar esse mundo é digno de um filme bem competente.

Sair da versão mobile