Anna Muylaert ganhou enorme peso no cinema com o bem realizado Que Horas Ela Voltas?, filme que por muito pouco não gerou uma indicação ao Oscar para o Brasil. Muylaert além de diretora é muito conhecida por seu trabalho como roteiristas em sucessos nacionais como O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, assim a cineasta sempre esteve inserida num cinema bastante narrativo, com seu novo Mãe Só Há Uma nota-se uma tentativa de se desprender dessa característica.
O longa é um daqueles exemplos que são construídos com um simples fiapo narrativo, algo que se aproxima mais do chamado cinema de fluxo do que do filme anterior de Muylaert. E Mãe Só Há Uma mostra claramente esse desprendimento narrativo ao ser um filme que ainda não se assume como um simples recorte cotidiano com a mise-en-scene nas superfícies, no filme ainda há o bom e velho incidente excitante, o conflito, a trama. Dessa forma, o longa sofre de uma indefinição entre a narração e o registro, e é claramente notável que o filme tenta operar nessas duas chaves.
Mãe Só Há Uma conta a história de Pierre, um garoto que aos 17 anos descobre ter sido roubado, diante deste fato o garoto se vê obrigado a entrar numa diferente família, precisando entender quem ele realmente é. O filme tenta, dessa forma, investigar um comportamento juvenil, além de tudo. Trazendo para discussão temas como a sexualidade nessa geração. E o retrato de Muylaert sobre a juventude atual é bastante honesto, talvez uma fase que raramente é retratada, algo que vêm mudando no cinema brasileiro e desde o regular As Melhores Coisas do Mundo se trona cada vez melhor, ainda que tenha seus problemas. Como é o caso desse Mãe Só Há Uma.
É interessante como o filme apresenta de maneira sóbria o cotidiano de dois adolescentes, de duas faixas etárias distintas, um pré-adolescente, Joca o novo irmão de Pierre, e o próprio protagonista no fim de sua fase escolar, enquanto o primeiro vive dia a dia do tédio, o mal da adolescência, o outro mostra uma geração que começa a quebrar alguns paradigmas em relação a sexualidade, a um não pertencimento de gênero, uma liberdade que constrói novas relações diante do amor, do sexo e da própria identidade. No entanto, essa investigação de uma geração é prejudicada uma vez que os protagonistas estão inseridos num momento extremamente dramático, num conflito como esses o cotidiano se dissolve em meio a tensão, em meio a turbulência, difícil acreditar num registro cotidiano diante de um fato extraordinário.
Anna Muylaerte constrói personagens bastante críveis, no entanto pouco verossímil dentro daquela trama, parece que a vida de Pierre não muda diante daquele espiral dramático, algo que soa bastante superficial, a fim de realizar um filme que discuta a sexualidade e a juventude abre-se mão do centro do filme, provocando momentos que parecem desconexo, por exemplo, numa das primeiras visitas da família biológica à casa de Pierre. Há uma discussão, há um conflito, há a dúvida no protagonista, corta, no momento seguinte o protagonista está no banheiro depilando seu peito, como se a ação anterior não provocasse reação alguma no personagem, como se os fatos não motivassem as relações.
E esse é um ponto bastante problemático, se o filme gasta muito tempo em mostrar a fundo as figuras daquele mundo, não há tempo suficiente para compreender, acreditar e se envolver com as relações entre as famílias, Mãe Só Há Uma é curioso, uma vez que funciona enquanto seus protagonistas estão só e que parecem estar desconectados do restante da trama, mas é falho ao construir ligações emocionais entres estes personagens e consequentemente com o público, é difícil acreditar que eles se importem com certas ações, uma vez que não se mostra a criação desses laços, difícil acreditar numa briga entre a nova família que acaba praticamente com uma aproximação entre os novos irmãos, sendo que houve apenas um diálogo entre os dois personagens, como se emocionar com o discurso exaltado de um pai dizendo que precisa reconquistar o filho perdido todo tempo se essas diversas tentativas não são filmadas, nem mesmo a relação de Pierre com a outra família é pouca explorada, mostrada de maneira apressada, não fazendo com que o espectador também sinta a falta daquela antiga mãe.
Assim, Pierre parece ser um personagem extremamente passível a tudo, amortecido diante daquilo, não se vê nem mesmo a melancolia do garoto diante de sua nova condição, muito menos a figura de uma personagem que entra na vida de uma família e provoca uma reorganização naquelas relações, como fazia Jéssica em Que Horas Ela Volta?. Talvez o melhor momento de Mãe Só Há Uma acontece quando o filme propõe esse incomodo, quando Pierre veste um vestido dentro de uma loja de roupas, enquanto seus pais planejavam um estilo mais convencional para o garoto, a provocação também evidencia todo uma forma com que Pierre lida sobre sua sexualidade e que seus novos pais ainda não estão prontos para lidar, e Muylaert é inteligente ao prolongar o tempo dessa ação, na qual um corte um pouco mais precoce resultaria num momento cômico e irônico, mas que se torna, por causa de sua duração, um momento tenso, forte e finalmente dramático, esse é um dos poucos momentos em que aquela parte interna do protagonista aflora na trama externa do filme.
Mãe Só Há Uma é um filme cheio de boas intenções, desde sua intenção de retratar o mundo do jovem, de discutir novas formas de sexualidade e por tentar mostrar isso de forma mais ousada e despojada. No entanto, nessa tentativa de agradar a todos, o filme sofre de incertezas, perfeitamente narrativo ou extremamente despojado, buscando apenas um registro, mas de todas as formas o cinema se move pelas emoções, pelas relações e como isso move os personagens, e pensando em todas suas intenções Mãe Só Há Uma muitas vezes se esquece disso, esquece-se dessa emoção que é a força motriz de qualquer cinema.