Resiliência Feminina

Crítica: MAID – Minissérie

Minissérie dramática da Netflix é educativa montanha-russa sobre pobreza e a consciência da solidão entre mulheres que passaram por casos de violência doméstica

É sempre entristecedor e revoltante ao mesmo tempo quando homens, ou mesmo algumas mulheres, se dizem fartos de ouvir, ler ou assistir quaisquer coisas que tenham a intenção de conscientizar e educar estes para vivermos em uma sociedade menos injusta, de maior atenção e compaixão com as histórias de vida que batalham (muito) mais que o aceitável para conseguir manter a cabeça fora da água.

No lugar do cuidado e gentileza, infelizmente ouvimos uma expressão coloquial onomatopaica que diminui a manifestação e deprecia as queixas destas pessoas: o mi-mi-mi.

Machuca demais quando alguém ou mesmo a sociedade, desqualifica a dor do próximo, pois ao fazer isso contribuímos diariamente para que tantas atrocidades continuem acontecendo normalmente.

Por essas e outras, que assistir Maid, nova minissérie produzida pela Netflix, se torna algo tão essencial. Uma maneira de reconhecermos o tamanho dessa ferida na vida das pessoas, além do quão burocrático e trabalhoso é tentar recomeçar quando a maioria das coisas jogam contra você.

Maid, desenvolvida por Molly Smith Metzler, conta em detalhes a história de Alex (Margaret Qualley), uma mulher que escapou de um relacionamento abusivo, e agora trabalha como empregada doméstica para mal conseguir pagar as contas, sempre lutando contra a pobreza, a falta de moradia e a burocracia para tentar dar uma vida melhor à filha, Maddy.

Violência doméstica

Mais do que importante, é necessário que se mostre quantos casos de violência doméstica acontecem todos os dias. Em 2020, só aqui no Brasil foram registradas mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher. Números mais do que alarmantes!

Porém, essas são aquelas que conseguiram fazer alguma coisa diante homens tão repugnantes, agora, e as outras milhares, até milhões, que não tiveram a possibilidade ou oportunidade de conseguirem fazer o mesmo por elas?

Entra a minissérie Maid, que cobre em ampla escala, nos menores detalhes todas as etapas que passam estas mulheres: a partir do momento que têm a chance de sair e conseguem escapar do abuso do namorado ou marido, até a reconstrução da vida digna que sempre mereceram, e lhes foi roubada.

Um dos grandes acertos da minissérie Netflix vem no segundo episódio intitulado ‘Pôneis’, quando Alex segurando Maddy no colo, conversa com uma assistente social que tenta encaminhar a jovem para um abrigo de mulheres que sofreram algum tipo de abuso. Alex reluta, já que não chegou a ser agredida fisicamente, então considera que não merecia tirar a vaga de alguém que foi realmente espancada ou machucada. A assistente social escuta as palavras que saem da boca de Alex, e retrucando de modo respeitoso, diz que intimidação, ameaças e controle são também uma forma de violência capaz de anular e destruir a vida de alguém.

No mesmo episódio, logo após criar uma amizade com uma moça do abrigo, Alex fica surpresa ao perceber que esta decidiu voltar para o ex-marido. Ela questiona a supervisora do lugar do porquê isto aconteceu, em seguida, a profissional que no passado também foi abusada pelo cônjuge, diz que essas coisas se repetem, e que nem sempre elas ficam na primeira vez. Em muitos casos, retornam outras vezes até decidir nunca mais voltar à vida anterior.

Maratona do indivíduo pobre

Esta produção original Netflix foi baseada no livro ‘Maid: Hard Work, Low Pay and a Mother’s Will to Survive’ (no traduzido, Empregada Doméstica: Trabalho Árduo, Baixa Remuneração e a Vontade de Sobreviver de uma Mãe), lançado em 2019 pela autora Stephanie Land, que escreve sobre a pobreza nos Estados Unidos.

Pela minissérie, observamos que não é o bastante passar pelo tanto que passaram, uma vez que o pior é perceber que todo um sistema que deveria estar lá para facilitar a vida destas mulheres que já sofreram tanto, na realidade, impõe todos os tipos de obstáculos, seja pela burocracia das papeladas, audições jurídicas, e principalmente, as dificuldades quando se é parte da pobreza.

Muito sagaz e consternador quando Maid coloca no canto superior da tela, quanto Alex tem em sua conta bancária, para depois testemunharmos a subtração dos números com todos os gastos que ela tem durante o dia.

O livro de Stephanie Land, assim como a produção Netflix, prestam um tipo de serviço público que visa criar consciência das penúrias da maior parte da população do país. Maid, ao estilo do renomado cineasta Ken Loach (Eu, Daniel Blake; Você Não Estava Aqui), que aborda em seus projetos à vida dos cidadãos das classes mais baixas da sociedade, critica e denuncia a humilhação diária daqueles que, como qualquer outra pessoa, mereciam o mínimo de respeito das organizações governamentais.

Mãe X Filha

Outro assunto muito bem colocado em Maid é a relação amorosa e conflitante entre Alex e sua mãe Paula, interpretada pela talentosa Andie MacDowell, que também é mãe na vida real da atriz protagonista desta história.

Por todos os dez episódios, assistiremos uma situação muito difícil na vida das pessoas que querem ajudar aqueles que amam, que em sua vez, recusam qualquer apoio por diferentes razões.

Antes, deve-se elogiar o incrível trabalho da atriz Andie MacDowell que construiu uma personagem que não dispõe de meio termo, ou seja, quando está no suposto melhor dela, ou nas horas mais desconfortáveis, sempre expressa colossal energia na performance. Não será nenhuma surpresa se figurar a próxima temporada de premiações pelo o que apresentou nesta minissérie para a Netflix.

Dito isto, Maid sempre nos coloca na pele de Alex que tem que caçar sua mãe para tentar ampará-la em variadas situações. Basicamente, a protagonista que é filha, faz o papel de mãe duplamente. Portanto, vemos com bons olhos o episódio derradeiro ‘Estalos’ quando Paula define para sua filha, quem é quem nessa relação.

Estupenda Margaret Qualley

Se alguns ficaram impressionados com a atuação de MacDowell, não estão preparados para a jovem Margaret Qualley, nada menos que magnífica em Maid.

A atriz que ganhou notoriedade como a moça dos pés sujos, que transita por Los Angeles ao lado de Brad Pitt em Era Uma Vez em Hollywood (2019), já havia mostrado bem antes que era um talento em obras, como: Dois Caras Legais (2016); Noviciado (2017); e, IO (2019), que se encontra disponível no catálogo da Netflix.

Agora, em Maid ela teve todo o espaço e tempo para progredir cada acontecimento na vida da resiliente Alex. E, é notável perceber todas as nuances dessas passagens, boas e ruins, pelo olhar extremamente expressivo da atriz, que para ajudar tem grandes olhos que entregam tudo, mesmo quando conscientemente ela quer esconder todo seu pesar.

Não foram só os olhos, a contração nos movimentos de rosto, que incluem lábios e sobrancelhas também aumentam exponencialmente as emoções vividas em cena. Muito provavelmente também veremos ela estrelando a próxima temporada de prêmios da indústria hollywoodiana por este trabalho.

Pela atriz de apenas 26 anos de idade, não só a personagem Alex ganhou vida, como todas as mulheres, em especial aquelas que sobreviveram o terror do abuso e violência, receberam um tanto de amor e dignidade.

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