Críticas

Crítica | Moana: Um Mar de Aventuras

Princesa Disney é um termo que por si só carrega inúmeros subtextos, e talvez padrão seja um deles – seja pela formatação narrativa, seja pelas características gerais daquelas personagens femininas. As princesas seguem essa padronização desde a década de 1930, e passado tanto tempo, é necessário compreender que alguns padrões Disney já não são mais adequados a esse novo tempo, mas também reconhecer que algumas de suas formas ainda são extremamente bem sucedidas, principalmente quando são realizadas com primor.

Moana: Um Mar de Aventuras, com certeza, é o resultado dessa questão; as mudanças dos paradigmas na representação de suas personagens (principalmente as femininas) com a manutenção de algumas de suas marcas narrativas. O longa conta a história da personagem título, uma herdeira de uma tribo polinésia que vê no mar seu grande destino. Ela acaba recebendo uma missão do próprio oceano e contrariando seu pai, que deseja que a garota fique para continuar seu reinado naquela mesma ilha. Moana parte para encontrar o semi-deus Maui e juntos entregarem o coração da mãe terra.

Sendo assim, Moana: Um Mar de Aventuras é a representação de uma nova protagonista feminina. Não só pela determinação, ou pelo protagonismo em si, mas por almejar ser apenas uma aventureira, como se sua condição de princesa não interferisse no fato de ser uma heroína nos termos clássicos, aquela que age, a escolhida para cumprir uma jornada. Além disso, também pelo fato de seu companheiro masculino não ser um obrigatório interesse amoroso, mas apenas um aliado de jornada, um cúmplice que possui seus conflitos independente, sem precisar constituir um casal com a protagonista, o que torna Moana e Maui uma dupla de aventureiros. Outro fato nesse sentido é figura da avó de Moana, que incorpora o papel do mentor da sua jornada de heroína – o ancião nessa nova narrativa é também uma mulher, num ciclo feminino de protagonismo, ocupando todos os postos de destaques.

Essa mudança de paradigma vem muito aliada ao olhar do filme a um cenário não eurocêntrico. Se essa questão de uma nova posição feminina já aparecia em Frozen, por exemplo, ali ainda havia uma cultura do casamento enraizado pela aristocracia daquela ambientação. Na animação, é como se a perspectiva de uma cultura diferente, com leis e costumes totalmente distintos, tornasse viável uma naturalização total daquela princesa como pura e simples aventureira, como uma pura e simples protagonista.

Assim, é interessante como Moana: Um Mar de Aventuras tenta utilizar dessa cultura local pra fazer sua narrativa. Como se as leis da ficção fossem ditadas pelas crenças e costumes regionais. A trama de deuses, semi-deuses, destinos trilhados pelo divino, o misto entre um mundo sempre conectado entre o terreno e divino são tratados com a maior naturalidade como se aquilo fosse o mundo daquela protagonista, não qualquer manifestação mágica. As crenças e a cultura nunca são questionadas, pelo contrário se fazem presente em todas as instâncias.

Esse fator contamina todo o visual do longa. Moana: Um Mar de Aventuras talvez seja um dos filmes esteticamente mais inventivos em anos nas produções da Disney. Os diretores Ron Clements e John Muskers exploram como podem as locações das ilhas da Polinésia, construindo sequências visualmente impactantes, e notando que Moana passa boa parte da projeção navegando em alto mar essa é uma tarefa bastante complexa. Dessa forma, cenários, personagens e movimentação fazem com que o filme tenha as mais belas sequências, como o momento em que uma raia luminosa passa pelo barco daquela heroína durante a noite, fazendo com que as águas tornem-se brilhantes, num belo contraste com céu escuro e estrelado. Ou também a sequência em que Maui e Moana entram no mundo dos monstros e um dos vilões do filme deixa seu esconderijo na escuridão, fazendo reluzir apenas os objetos que brilham, num instante em que o fundo do mar ganha contornos em neon para puro delírio visual.

A inventividade toma conta até mesmo de características que a Disney não deixou. Em um dos números musicais de Moana: Um Mar de Aventuras é como se os personagens adentrassem em uns desenhos tribais para explicarem o que está sendo cantado e também complementar a narrativa, momento em que o filme mistura animação 2D e 3D, além de mais uma vez fazer presente os elementos daquela cultura. Assim, felizmente, nota-se como os dois diretores arejam esses pontos tão marcantes da Disney. Moana, assim como tantos outros filmes do estúdio, funciona como um musical, em que as canções conduzem a narrativa do longa. Muito mais do que os diálogos é essa trilha musical que propulsiona e explicita, quando necessário, o movimento dramático do longa. Moana não tem medo de utilizar essa característica e faz isso um de seus grandes pontos.

As marcas fundamentais da Disney são extremamente presentes, seja nos seus musicais, quanto na citada jornada do herói (é famoso o memorando Vogler que simplifica a Jornada do Herói e serviu de guia para roteiristas da Disney durante muito tempo). Todavia, o mais interessante é como isso é mantido de forma arejada, não estando simplesmente preso a uma tradição.

Moana: Um Mar de Aventuras mostra mudanças e novos percursos, resultando num filme que sabe dosar a inventividade (estética, temática e representativas) com os já conhecidos padrões. Moana mostra novos e interessantes rumos para as futuras princesas Disney.

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