Críticas

Crítica | Moonlight: Sob a Luz do Luar

Moonlight: Sob a Luz do Luar é um filme significativo em muitos sentidos. E tal afirmação deve ser feita não pelas indicações ao Oscar ou pelos inúmeros prêmios vencidos pelo filme, mas sim por tantos paradigmas que o longa de Barry Jenkins quebra. Esse fator é colocado em todo o filme da forma mais sutil possível, não se validando apenas por ter uma temática importante, mas por ser totalmente maduro cinematograficamente.

Moonlight acompanha a vida de Chiron através de três momentos na vida do personagem, uma na infância, outra na adolescência e a última no auge de sua vida adulta. Durante esses três recortes, o longa vai mostrando a relação do protagonista com sua mãe, as descobertas sexuais, a relação com as gangues da região, o consumo de drogas e tudo que cerca um jovem negro e gay na periferia da costa sudeste dos EUA.

E o mais importante é ressaltar que o longa não se valida por colocar todos esses temas em pautas, a questão aqui é a forma como são colocados, a maneira como Jenkins organiza esses assuntos, como suas ideias e como os atos de seu personagem são traduzidos pelo longa. Muito disso se dá pela forma como Moonlight se assume como um filme periférico, como veste a camisa de um cinema negro, consequentemente marginal, que não pode apenas buscar repetir códigos de um tipo de filme que é aplaudido por premiações. A ruptura temática de Moonlight surge através de uma quebra de paradigma formal, um filme que coloca sua urgência também na sua inventividade estética e por isso é um filme tão importante.

Talvez Moonlight seja o filme desse período de premiações que traga um maior frescor cinematográfico. Essa opção permite um filme que não é afeito a negociações, que não pauta seu estilo pelo bom gostismo dessas premiações, que não facilita sua forma em detrimento de sua mensagem. Pelo contrário, toda decisão estética tomada pelo filme é movida para conectar-se ao assunto que aborda. Assim, é impressionante, por exemplo, como a câmera fluída e sempre frenética de Jenkins une-se com a forma como os personagens falam seus textos.

Se a direção coloca a câmera em movimentos inesperados, as falas são recheadas de gírias e uma forma marginal de falar, colocando claramente um ruído entre o que se assiste e seu espectador. Esse incômodo que atinge o visual e o sonoro é a constatação dessa marginalidade, desse espírito transgressor que deve se distanciar do padrão dos filmes americanos.

Por incrível que isso possa parecer é através dessa lógica transgressora que o longa consegue atingir o íntimo de seus personagens. Como se fosse necessário se despir de uma estética e de uma forma hegemônicas para atingir o âmago humano dos seres que habitam aquele mundo. Moonlight é uma obra acima de tudo humana, que representa esse mundo cercado por hostilidades para investigar os sentimentos mais sensíveis a respeito da fragilidade.

Moonlight é um filme do retrato, de filmar e representar momentos que ajudem a entender quem é aquele menino que se vê crescendo diante da tela. Aqui também há outra ruptura proposta por Jenkins, agora como roteirista, apesar do filme ser dividido em três partes, como se fossem episódios da vida daquele protagonista, surgindo até mesmo títulos que dividem claramente esses momentos – Litle, Chiron e Black; não seria impossível enquadrar Moonlight no esquema aristotélicos dos três atos. Esses três momentos do longa não são ligados por uma lógica total da causa e consequência, mas são retratos de fases da vida daquele protagonista, como se investigassem momentos paradigmáticos para Chiron.

Assim, através desses momentos, o filme vai construindo sutilmente quem é aquele personagem. Da infância, perpassando pelas dificuldades de relacionamento com a mãe viciada em drogas, os primeiros conflitos com os garotos da região que já o consideram fora do padrão e o aparecimento de Juan – Mahershala Ali num papel brilhante -, um traficante que apesar dos pesares acolhe Chiron como se fosse seu filho, traduzindo para o garoto os valores de proteção e do preço que deve ser pago para superar (ou disfarçar) a fragilidade.

O mesmo ocorre com o segundo segmento durante a adolescência em que mais uma vez aparecem as questões com a mãe, em que começa a despertar a sexualidade e sua paixão por um de seus poucos amigos, as perseguições ainda mais constantes dos garotos da região e agora a ausência de seu protetor, e assim mostrar como ali o garoto precisa fugir de seus sentimentos para não demonstrar sua vulnerabilidade. Algo que surge com muito força no terceiro e último episódio em que Chiron torna-se Black, um gangster que esconde tudo o que sente atrás de seus músculos e dentes de ouro, no entanto o simples retorno daquele amor juvenil é capaz de desmontar toda essa persona criada para fugir daquela fragilidade e vulnerabilidade, sensações intrínsecas àquele homem desde a infância.

Com isso, Moonlight é um filme que nunca precisa ser óbvio e escancarar o que quer dizer. O longa, em seus três retratos, leva o protagonista até algum ponto impactante, que moldará seu caráter e valores para sempre, e os momentos são de fato tão marcantes que é desnecessário mostrar o que viria a seguir, os saltos no tempo comprovam o que fica subentendido a cada cena. Não é necessário mostrar o que aconteceu com Juan se isso fica evidente em cada ação do personagem; ou mesmo o que ocorreria após uma briga na escola em que a polícia pega os envolvidos em flagrante; e esse estilo narrativo está até mesmo o clímax do filme. Moonlight é um filme que diz muito sem precisar escancarar suas sensações. Dessa maneira, o longa é extremamente coerente com seu personagem principal, em que ele é um acúmulo das experiências vistas durante a projeção até chegar ao momento mais tocante do filme em que todos esses sentimentos ficam à flor da pele.

Moonlight, assim, termina com uma das cenas mais românticas do cinema americano contemporâneo, onde aqueles dois homens se reencontram, com um amor que ainda resiste, com as cicatrizes do passado ainda abertas, onde sente-se uma enorme gama de sentimentos na mesma proporção em que é impossível dizer alguma palavra. A última sequência é recheada de silêncios, da música diegética que invade o momento dos dois, do sino daquele pequeno restaurante que interrompe cada ação e dos sentimentos que voltam a ficar evidentes, tornando aqueles homens vulneráveis novamente. Barry Jenkins realiza um filme que além de inventivo, urgente, é acima de tudo sensível.

Dessa forma, Moonlight é um filme completo que organiza uma mise-en-scène condizente com tudo que seu protagonista sente. Um longa que não faz seus assuntos e temas serem mais importantes do que o próprio filme, mas articula formas em que esses dois pontos sejam parte inerente do universo representado ali. Por fim, Moonlight é um filme que parte de rupturas narrativas e estéticas, para assim construir um filme que seja honesto com aquilo que retrata e é só com esse processo de honestidade que o longa consegue adentrar os sentimentos e os medos daquele homem. Moonlight é acima de tudo um filme extremamente humano e sensível. De fato, uma obra significativa.

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