Críticas

Crítica | Mundo Cão

Alguns diretores brasileiros tentam não se encaixar nos esquemas pré-moldados existentes no cinema nacional. Um desses diretores é o paranaense Marcos Jorge. Nascido em Curitiba, ele lançou o seu primeiro longa-metragem, Estômago, em 2007. Este acabou sendo premiado no Festival do Rio no mesmo ano como melhor filme pelo voto popular e o júri concedeu os prêmios de melhor direção e melhor ator, João Miguel, e prêmio especial do júri ao ator Bubu Santana. Este ator carioca volta trabalhar com o diretor Marcos Jorge em seu quarto longa-metragem, Mundo Cão.

Em Mundo Cão, Bubu Santana (Tim Maia, 2013) vive Santana – aliás, tem este nome por causa do ator. Ele é um funcionário do Departamento de Controle às Zoonoses cuja função é recolher os animais abandonados. Ele é um cara boa praça, casado com a costureira evangélica, Dilza (Adriana Esteves, de Real Beleza), e tem dois filhos, a adolescente Isaura e menino João (respectivamente, os estreantes Thainá Duarte e Vini Carvalho).

Em um dia normal de trabalho, Santana e o colega Ramiro (Paulinho Serra, de Mato Sem Cachorro) capturam um rottweiler sem dono em uma escola e o levam para o Departamento. Após um tempo, invade o Departamento o dono do rottweiler, o ex-policial e agora empresário de vídeojogos, Nenê (Lázaro Ramos, de Tudo Que Aprendemos Juntos). Nenê, apesar dos avisos do seu parceiro, Cebola (Milhen Cortez, Nelson Ninguém), acaba começando uma discussão com Santana e esta briga aparentemente banal acaba trazendo consequências para a vida de Santana.

A cena de discussão entre Nenê e Santana, por exemplo, é um dos pontos altos do filme. É muito bom ver Lázaro Ramos fazendo um antagonista, pela primeira vez em sua carreira. Lázaro consegue convencer no papel de bandido. Ele passa isto, às vezes, apenas pelos olhos. Bubu Santana realmente se encaixou no papel de bonachão, porém ele não consegue demonstrar o amor de pai que deveria ter. Em uma cena com Thainá, ele fica parecendo mais um irmão mais velho brigando com a irmã do que um pai repreendendo uma filha.

A interpretação de Adriana Esteves merece destaque. Ela consegue ser comedida como o seu personagem exige, porém ao mesmo tempo transmitir a emoção que só uma mãe preocupada com os seus filho emana. Uma cena especifica, por causa da boa interpretação dela, acaba deixando o espectador em dúvida do desfecho.
Estão de parabéns, também, Thainá e Vini. Apesar de este ser o primeiro trabalho de ambos, eles não fizeram feio em frente às câmeras. Principalmente a Thainá. Isaura impôs a ela um duplo desafio que pode ser percebido em cena.

O roteiro do filme foi escrito pelo Marcos Jorge em conjunto com Lusa Silvestre. Os dois criaram uma história utilizando os cachorros como metáfora para a violência diária vivida pelos brasileiros. A interferência de Nenê na pacata vida de Santana acaba mostrando como, às vezes, um simples acontecimento altera completamente a vida de uma pessoa. A história criada por Marcos e Lusa se diferencia bastante das de muitos filmes brasileiros dos últimos tempos. E isto é bom.

Marcos Jorge dirige Mundo Cão de uma maneira simples e direta. O diretor curitibano não se utilizou de firulas ou truques para contar os percalços pelos quais passa Santana. Marcos realiza cenas limpas e em quais é mostrado o essencial daquele momento da história. Mundo Cão teve a sua fotografia realizada por Toca Seabra (O Vendedor de Passados, 2015). Toca ajudou a equilibrar as cenas e a maneira como foram feitas passou aos espectadores a tensão na medida certa.

A edição do longa realizada foi André Finotti (Na Quebrada, 2014) dá um bom ritmo ao trabalho. Alguns recursos utilizados ficaram muito bacana e são um diferencial nesse quesito em relação a produções brasileiras e estrangeiras. A trilha sonora composta por Pablo Lopez (Mato Sem Cachorro) e Maurício Tagliari (O Homem do Futuro, 2011) deu o ar certo ao longa de Marcos Jorge. Reforçou características de personagens, ampliou situações e antecipou acontecimentos. Eles não compuseram ou escolheram músicas que se sobressaíssem ao que estava na tela grande.

Apesar de ser um bom filme e ter sido bem feito, Mundo Cão não chega a ser uma versão brasileira de um filme de Guy Ritchie. O filme, portanto, deixa a desejar no quesito à que se propôs entrar: violência. A pouca utilização dos cães contribuiu para que a violência ficasse restrita a alguns momentos. Mas sempre é bom ver que nem só de comédia o cinema brasileiro vive e que estamos tateando outros gêneros de filmes ainda pouco explorados no Brasil.

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