Apocalipse

Crítica – Não Olhe para Cima

Sci-fi satírica de Adam McKay consegue fazer rir, mas mostra-se incapaz de competir com a realidade do mundo pós-pandemia atrapalhando sua proposta reflexiva

Recentemente divulgamos um texto que comentava sobre o musical Amor Sublime Amor de Steven Spielberg. Nele foi dito que no passado, era costumeiro analisar o cinema praticado pelo renomado cineasta dividido em duas frentes: uma mais comercial, e outra focada em apresentar narrativas consideradas um pouco mais complexas.

Ainda bem que isso ficou no passado, já que atualmente observamos no exemplar trabalho do diretor americano, obras capacitadas de valores emocionais e meditativos na mesma medida, além de um profissional do audiovisual muito mais experiente em suas habilidades como interlocutor imagético.

Consequentemente, temos um único Steven Spielberg para analisar, e possivelmente admirar se julgarem adequado. Este ainda não é o caso do diretor Adam McKay, que claramente tem uma carreira dividida entre: comédias comerciais, conhecida como Era Will Ferrell; e suas obras mais recentes que buscam provocar uma reflexão mais profunda no público, mesmo que ainda usando de artifícios cômicos.

De um lado, temos O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy (2004), Ricky Bobby: A Toda Velocidade (2006), Quase Irmãos (2008), Os Outros Caras (2010) e Tudo por um Furo (2013); já no outro, A Grande Aposta (2015) e Vice (2018), respectivamente.

Agora, ganhamos mais um exemplar fílmico do novo Adam McKay com Não Olhe para Cima, já disponível na plataforma Netflix, quando Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), uma estudante de astronomia, e seu professor Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) fazem uma descoberta surpreendente de um cometa orbitando dentro do sistema solar. O problema: está em rota de colisão direta com a Terra. O outro problema? Ninguém realmente parece acreditar. Acontece que alertar a humanidade sobre um assassino de planetas do tamanho do Monte Everest é um fato inconveniente demais. Assim com a ajuda do Dr. Oglethorpe (Rob Morgan), Kate e Randall embarcam em uma turnê midiática que os leva do escritório de uma indiferente Presidente Orlean (Meryl Streep) e seu filho sem-noção e Chefe de Gabinete Jason (Jonah Hill), aos programas de televisão na tentativa de espalhar a notícia que o gabinete oficial tenta esconder. O relógio está correndo, nossa Terra tem apenas seis meses até o impacto do cometa, deixando aquela difícil questão – “o que será necessário para que todos apenas olhem para cima?”

Realidade X Ficção

Aqui no Brasil temos uma página da internet que ganhou destaque pelos últimos dez anos elaborando notícias satíricas baseadas em matérias jornalísticas reais. Foi um enorme sucesso por um tempo, até que algo assustador começou a tornar estas sátiras e provocações um tanto banais. Lamentavelmente, para todos nós, presenciamos a realidade das coisas, principalmente no campo político e social, expor situações tão absurdas e estapafúrdias que ler algumas destas frases cômicas provocativas perdeu parte do sentido e graça.

Resumindo: a “comédia” farsesca da realidade choca mais, vez após vez, do que a intenção humorística reflexiva que é também baseada em ironias e incoerências.

Podemos afirmar que o mesmo acontece com Não Olhe para Cima de Adam McKay, que assim como no fraco Vice, mira voltarmos os olhos para algumas de nossas atitudes mais ridículas como membros da sociedade. E, repetindo seu longa anterior, também aponta o dedo (dessa vez de modo inteligente) para os erros e exageros de ambos espectros políticos americanos: democratas (liberais) e republicanos (conservadores).

O melhor exemplo disso vem na parte final da sátira Netflix, quando testemunhamos dois comícios: um liderado pela atual presidente republicana, interpretada pela lendária Meryl Streep, que quer convencer o povo americano de que o cometa não é uma ameaça, pois está tudo sob “controle”; enquanto do outro lado, temos os cientistas representados por Lawrence e DiCaprio, que querem levar a verdade para o povo americano.

Entretanto, ambas frentes parecem mais uma festa, um tipo de espetáculo bem menos interessado em expor fatos, e mais ligado no lado dos negócios e midiático envolvendo o fim do mundo.

McKay ainda conseguiu fazer outra crítica pontual (usando um grande ator surpresa no elenco) para todos aqueles que se consideram neutros na questão política, nem de um lado ou outro.

Apesar de alguns outros acertos aqui e acolá, como tirar barato de Armageddon (1998) de Michael Bay, ou até mesmo tirar boas performances do elenco em alguns momentos que transitam da comédia para o drama, fica fácil notar que o cineasta americano de 53 anos de idade não conseguiu (naturalmente) chegar no nível de atrocidades que vimos e ouvimos nos últimos tempos, onde todos, sem exceções, enfrentamos o maior desafio deste século.

Olhar ou não olhar, eis a questão!

Quando as filmagens de Não Olhe para Cima começaram no final do ano passado, estávamos todos ainda muito atordoados com a pandemia do COVID-19, que tirou a vida de milhões e mais milhões de habitantes do planeta em um curto período de tempo, naturalmente instalando o medo entre nós.

E se não imaginavam que poderia ter sido pior, vale lembrar algumas das atitudes inacreditáveis de figuras públicas e políticas durante este período muito doloroso, que indicaram remédios sem comprovação científica para tratamento preventivo, ou incentivando pessoas a contrair intencionalmente a COVID-19 para obter “imunidade natural” (sem vacina) no que chamavam de “festas de rebanho”, ou até sugerindo a injeção de água sanitária (!) no corpo humano como meio de combater o vírus.

Sabendo disso, ficou muito complicado “competir” com os fatos, afetando bastante a reflexão intencionada pelo roteirista e diretor Adam McKay, que mostrou um trabalho melhor do que Vice, mas abaixo de A Grande Aposta.

Para McKay realmente conseguir se firmar como um cineasta mais “sério”, ele precisa começar a argumentar melhor pela narrativa, que entre aqueles que olham ou não para cima, não vemos ninguém olhando para dentro (autocrítica) ou para os lados (senso de comunidade).

Chegando à conclusão que É o Fim (2013) de Seth Rogen e Evan Goldberg ainda permanece no topo dentro da categoria “Melhor Filme com Jonah Hill Sobre o Fim dos Tempos.”

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