Críticas

Crítica | Negócio das Arábias

O olhar estrangeiro deve ser considerado um dos pontos chaves do cinema americano. Da comédia ao filme de ação, passando pelo romance e pelo drama, uma série de obras é calcada nessa inserção do americano no restante do mundo, num olhar que parte do superior para com o restante do globo, mesmo quando busca desmitificar conceitos esse tipo de cinema apresenta uma visão hegemônica que é extremamente presente em Negócio das Arábias.

O longa estrelado por Tom Hanks acompanha um bussiness man falido, Alan, que viaja até a Arábia Saudita para tentar vender um software de hologramas para um monarca árabe que planeja construir um enorme complexo urbano no deserto. Hanks encarna a figura do homem perdido tanto em seus dramas pessoais quanto no fracasso de sua carreira que vê em terras internacionais a oportunidade de reerguer-se, mesmo que para isso precise entender os códigos culturais que agora deve, no mínimo, respeitar, assim o protagonista de Negócio das Arábias é um americano médio, que sofreu com a crise econômica mundial, mas nesse caso se joga no exótico e indecifrável Oriente Médio, que é visto pelas lentes do cinema quase como um inimigo natural dos americanos.

O filme aposta na comédia dramática para ser um exemplo de reflexão ao mesmo tempo com um caráter quase politicamente correto, que parece se posicionar numa vertente de desmistificação dos estereótipos da figura do árabe mulçumano, no entanto, demonstra, desde o início, uma visão do superior, como se aquele homem importasse para aquele país valores que seus cidadãos ainda não conhecem. Nesse olhar hegemônico, a dramaticidade serve para questionar e criticar certos aspectos da sociedade árabe e a comédia para rir do outro, do estrangeiro, do ainda não conhecido.

O grande problema disso é que Negócio das Arábias está longe de ser um estudo de caso da sociedade saudita, que pode ter certeza que é diferente da do Irã, da Cisjordânia, ou de outro país do Oriente Médio. Assim, o campo da crítica é baseado justamente no estereótipo, não na real compreensão daquele cotidiano, partindo assim de uma prática até egoísta, uma vez que não olha para seus problemas e aponta o dedo nas configurações complicadas de outro país, como se a prática de trazer imigrantes para ser a mão de obra base de um centro urbano não fosse utilizada em Miami, Seatle ou Nova York.

E se fazer uma crítica sem embasamento é problemática, o humor em relação a uma cultura é sempre delicado quando vem dessa visão hegemônica, beirando sempre o preconceito, uma vez que a sátira não parte da desconstrução de um conceito do próprio filme, mas sim da visão do outro, o ato de ironizar impede a compreensão daquela região e suas particularidades.

Se a comédia não chega a ser ultrajante, Negócio das Arábias tem aquela visão impositiva, na qual os ideais do homem branco ocidental valem mais do que qualquer cultura, um diálogo chama bastante atenção em relação a isso, Alan está caçando um lobo com seu motorista (evidentemente realizando uma prática exótica) e ele diz que apoiaria o amigo em qualquer situação, até mesmo num levante popular rumo à democracia, já que é o pensamento do americano levar a civilização aos mais diversos lugares. Nesse momento Alan se refere ao seu ideal de civilizatório, não leva em consideração os pensamentos do próprio oriental. Vale lembrar que o governo saudita é um dos maiores aliados dos EUA no Oriente Médio e aquela monarquia só sobrevive ali por causa de um apoio norte-americano. Com passagens como essa, Negócios da Arábia demonstra-se com uma grande infantilidade política, sendo incapaz de organizar reflexões mais profundas sobre a relação EUA/Oriente Médio.

E se seu pensamento a cerca do mundo atual é raso, Negócio das Arábias também não é grande em termos cinematográficos. O longa tem uma dificuldade extrema em criar imagens que sintetizem os temas do filme, verbalizando todas suas metáforas visuais, principalmente quando Alan descobre um caroço nas suas costas e todo encontro com sua médica é uma verborragia como a doença representa na verdade todas as mágoas e problemas que o homem não quer solucionar, quando tal fato já estava mais do que escancarado na tela, subestimando seu espectador.

Além disso, parece que a narrativa do longa não se define, como se não decidisse se o conflito externo é maior ou menor que o interno, ou apresentados de maneira que se completassem, ficando evidente um descompasso entre esses dois núcleos, como se o emocional de Alan não se conectasse com seus problemas profissionais. Mostrando até certo receio em desenvolver uma relação amorosa de Alan e resolvendo isso de maneira apressada, sendo que se trata da passagem mais interessante do longa.

Dirigido pelo alemão Tom Tykwer chega a ser curiosa a pouca inventividade estética e visual do filme, uma vez que seu realizador é responsável pelo cult Corra, Lola, Corra, que até em seus trabalhos mais irregulares demonstra certo apresso e cuidado por este tratamento imagético, que aqui não é visto. Mesmo sendo um cineasta bem irregular, Tykwer realiza um trabalho pouco emocionante, pouco dedicado, mesmo que busque uma obra sem assinaturas visuais o diretor faz um trabalho que não passa o comum, fugindo de seu rigor formal, técnico e estético, e ainda por cima bastante didático, que oferece planos extremamente explicativos assim como seus diálogos, como no momento em que Alan visita o primeiro apartamento da nova cidade em construção e o hall ainda em obras é palco de uma briga violenta entre operários (provavelmente imigrantes), enquanto a casa visitada é cheia de requinte e luxo, numa contradição clara dos moradores daquela cidade e seus construtores, numa sequência que significa o óbvio, mas parece ter sido realizada como se fosse sua maior rima visual.

O que chama atenção é como um cineasta estrangeiro se entrega quase que cegamente ao discurso americano que repete o destino manifesto, da nação iluminada que levará a liberdade e a civilização para os confins do mundo, sem Tykwer, roteirista e diretor, realizar objeção alguma, sem operar crítica alguma ao processo de globalização comandado pelo próprio EUA, o alemão filma como um alienado suprido de talento em Negócio das Arábias.

Por fim, Negócio das Arábias é um filme pouco inspirado e pouco inspirador, não sendo uma grande obra em termos cinematográficos e muito menos algo que gere uma reflexão precisa nas relações do mundo contemporâneo, sendo uma obra que não compreende seus próprios caminhos narrativos, não saindo da mesmice. Negócio das Arábias parece ter as melhores intenções, mas no fundo briga apenas para ser mediano.

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