John Le Carré é um dos maiores nomes vivos do romance policial. As suas obras de espionagem sempre recheadas de um pensamento complexo e crítico a respeito da guerra, de temas geopolíticos e da própria espionagem. Desde 1965, com O Espião que Veio do Frio, o cinema nutre uma profunda fascinação pelos romances do britânico, gerando longas bem interessantes como O Jardineiro Fiel, O Espião que Sabia Demais, O Homem Mais Procurado, entre outros. E Nosso Fiel Traidor almeja estar nessa coleção de bons títulos adaptados de Carré.
O longa dirigido por Susana White leva às telas um dos livros mais recentes do autor. Nosso Fiel Traidor conta a história de Perry (Ewan McGregor) e Gail (Naomie Harris), que vivem uma tentativa de segunda lua de mel no Marrocos. Lá eles conhecem Dima (Stellan Skarsgard), um figurão russo cercado de mistério. Horas antes do casal voltar para a Inglaterra, o homem pede que eles entreguem segredos da máfia russa para o serviço secreto britânico; é nesse momento que os dois se envolvem numa mirabolante conspiração.
Fica claro, desde então, que a potência de Nosso Fiel Traidor vem justamente de sua trama e da construção narrativa. Assim, o filme tem uma série de ideias capazes de prender seu espectador. A começar na sua premissa básica e bastante conhecida, a da figura de um cidadão comum envolvido, por acaso, em uma intriga internacional, que mesmo que já bastante utilizada coloca o homem ordinário na figura do herói, ou melhor, de um personagem que deve enfrentar missões muito maiores do que sempre viveu em seu dia a dia. É notável, como Dima confia em Perry porque há honra naquele homem, dessa maneira, aquela missão que poderia ser gigante demais para aquele professor inglês, torna-se um dever, a fim de cumprir com que é certo. Heroísmo puro.
O mais interessante é como essas situações estão bastante implícitas no texto do filme, como se todos esses contextos e significados estivessem no limiar entre a ação e o diálogo. Assim, nota-se, por exemplo, que o casal está em crise constante no seu casamento por uma série de fatos, às vezes por uma fala aqui outra ali, mas isso nunca é aprofundado pelo filme. Como se os conflitos internos estivessem apenas em torno dessa conspiração maior, e até mesmo pelos personagens estarem envolvidos em algo tão grande que o interno se resolve apenas por sobreviver àqueles incidentes.
Assim, a trama com roteiro adaptado pelo experiente Houssein Amini (Drive), constrói pequenos detalhes que funcionam para permear aquela narrativa cheia de detalhes que se aprofundam no contexto da obra, sem perder o foco de Nosso Fiel Traidor. Por exemplo, quando um dos membros do MI16 arma uma armadilha para filmar um mafioso russo tramando uma lavagem de dinheiro na Inglaterra, essa reunião se dá em meio a um jogo de futebol, em plena Londres, no pomposo estádio padrão Fifa do Arsenal. Um mero detalhe, mas o que se passa na ficção dentro do Fly Emirates, no mundo real tem fortes indícios que ocorre em outro estádio londrino, o Stamford Bridge do Chelsea, comandado pelo polêmico empresário russo Roman Abramovic. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Assim, com esse roteiro todo intrincado e repleto de minúcias, parece que Susana White fica acuada diante de tanto material literário e assim constrói uma direção em que mais se esconde do que qualquer outra coisa. Em termos de construção visual, seja ela com fins narrativos ou estéticos, o longa parece uma colagem do que foi feito até então a partir das obras de Carré, como se pegasse um pouco de cada filme dos citados acima. Assim, a diretora opta sempre pelo caminho mais seguro, pelo que já deu certo um dia. Há em Nosso Fiel Traidor uma subordinação da palavra para com a imagem, não há um conceito imagético para o filme, mas uma espécie de ilustração para a trama, nesse caso a figura de Carré e seus romances parece ficar muito maior do que a obra visual.
É bem verdade que Nosso Fiel Traidor seria uma ilustração muito bem realizada. Há uma compreensão do ritmo e do thriller que poucos filmes possuem. No entanto, é difícil a película sair daquele adjetivo tão morno, o funcional. E é isso que Nosso Fiel Traidor é, um filme que funciona e vai muito bem como suspense, como filme de conspiração e até traz momentos bem interessantes em seu roteiro, mas é incapaz de ir além e fazer um filme com a complexidade que Carré pede – e no cinema essa construção passa fundamentalmente pelo visual fílmico.