Críticas

Crítica | O Bom Gigante Amigo

Steven Spielberg tem duas linhas bem claras ao longo de sua carreira, a primeira é pautada em filmes voltados a um público infanto-juvenil, mesclando ação, aventura e fantasia com uma sensibilidade única do diretor (E.T. – O Extraterrestre, a série Indiana Jones e Contatos Imediatos de Terceiro Grau); e a outra consiste em dramas sérios, muitas vezes baseados e inspirados por fatos reais ou grandes acontecimentos (A Cor Púrpura, A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan).

E se no começo de sua carreira havia certa pressão para o cineasta tornar-se mais sério, hoje com três Oscars em seu nome esses dois lado conseguem coexistir de forma bastante harmoniosa, fato é que seja nos dramas ou nas fantasias juvenis Spielberg é acima de tudo um grande contador de história. E o cineasta é um daqueles exemplares que utilizam todos os meios cinematográficos para fazer com que o público saia com os olhos brilhando de seus filmes, Spielberg faz parte de uma linhagem de ilusionistas do cinema, em que numa espécie de mágica a narrativa se faz presente na tela.

O Bom Gigante Amigo é um desses filmes que traz toda essa magia da narrativa, da ilusão e do sonho para o centro do cinema. O filme que não vem sendo nenhuma unanimidade desde sua estreia no festival de Cannes é exatamente sobre essa narrativa fantasiosa que o filme consiste. O Bom Gigante Amigo começa exatamente com a protagonista, Sophie (a garotinha Ruby Barnhill) correndo pela madrugada, pegando um livro e voltando para cama, durante a noite, a garota começa a ler e aí a aventura da menina se inicia, é necessário deixar claro que Sophie não começa ler o que será visto na tela como inúmeros filmes, mas aquela simples ação é como se o filme se abrisse para as inúmeras possibilidades que uma boa história pode causar.

É assim que o filme acompanha a desventura da garotinha que encontra um gigante vagando pelas ruas de Londres e é levada para a terra fantástica onde a criatura vive. Lá ela descobre que aquele o gigante é na verdade um dos mais nanicos da sua espécie com apenas sete metro de altura e vive amedontrado por outros sete monstros, que renegam o bom gigante por não comer as crianças de todo o mundo. Assim, Sophie ajuda seu novo amigo a se livrar dessas malvadas criaturas. Nessa história totalmente fantasiosa é narrada a todo instante com um tom fabulesco, sempre com um olhar inocente, Spielberg tenta colocar na tela o que seria um incrível sonho infantil.

E essa sensação onírica é explicita a todo o momento durante o filme, essa ilusão da aventura impossível é o que torna O Bom Gigante Amigo um filme singular. Na trama, o gigante é responsável por fabricar os sonhos das pessoas, em certo momento, ele explica para Sophie seu ofício para Sophie, o personagem descreve o sonho colocado na noite de um garoto, os dois ficam à espreita na janela, vê-se o garoto dormindo em primeiro plano, no fundo do quarto, sombras encenam o sonho narrado pelo gigante, como num verdadeiro teatro de sombras, quando acaba a história há um close no rosto de satisfação do menino, e o gigante completa dizendo que os sonhos parecem rápido para quem está fora, mas é eterno para quem está dentro.

Aqui Spielberg explicita todo seu ilusionismo, toda a arte de narrar uma história, assim como o gigante o diretor fábrica sonhos e essa cena contém tudo o que o cinema é, a tela representada pelas sombras, o público que é como aquele menino deslumbrado pela história que passa diante de seus olhos, e atrás de toda aquela fantasia um homem que tem o prazer de narrar tudo aquilo, Spielberg sente o prazer da narrativa, sente o prazer de ser um ilusionista e aqui revela todo seu aparato de construção.

É por isso que o cinema de Spielberg com todas suas derrapadas continua honesto mesmo quando está em suas narrativas mais infantis e a frente de um pretenso blockbuster o cineasta consegue dar um toque pessoal ao filme, condição rara no cenário atual. Além de seu extremo envolvimento diante de sua obra, o diretor demonstra um controle absoluto da forma cinematográfica no ponto alto da aventura, a garotinha está sendo perseguida pelos sete gigante e precisa esconder-se pelos mais inventivos locais na casa de seu amigo de sete metros, toda essa ação espetacular é filmada num plano sequência, que acompanha toda a trajetória de Sophie, sem exageros, numa movimentação bem orquestrada e sempre visualmente interessante, Spielberg ainda é um grande nome quando se trata de aventuras, e O Bom Gigante Amigo possui momentos extremamente inspirados.

E se aqui Spielberg ainda está longe de seus maiores clássicos, principalmente com algumas falhas na estrutura narrativa do longa O Bom Gigante Amigo apresenta algumas barrigas narrativas que causam momentos desnecessário e até certo ponto apelativo, que acaba caindo num humor pastelão que serve mais como um tapa buraco do que qualquer outra coisa. No entanto, O Bom Gigante Amigo é um daqueles filmes que ganha pela sua imaginação, que consegue ser um sonho em forma de filme.

Se Spielberg já não se encontra há algum tempo em sua melhor fase, aqui comprova que ainda mercê ser visto, que ainda coloca uma dose de coração em suas obras e principalmente que ainda é um apaixonado contador de histórias e em O Bom Gigante Amigo realiza mais um sonho em muitos espectadores.

Sair da versão mobile