Críticas

Crítica | O Ciclo da Vida

Se há uma coisa que é a mesma nos países desenvolvidos, subdesenvolvidos e os chamados “emergentes”, é o modo como tratam as pessoas idosas. Na melhor das hipóteses, os idosos são tratados como crianças grandes, porém, infelizmente, na maior parte das vezes, são tidos como trastes ou algo inútil, a quem a sociedade não sabe o que fazer visto que, do seu ponto de vista, perderam sua capacidade de trabalho e produção (um pensamento bem comum nesta era de neoliberalismo, austeridade financeira, ajuste fiscal e desemprego), enquanto as famílias não querem ter o trabalho de cuidar de alguém que pode prendê-los em casa e tomam a decisão mais conveniente para esse problema: enviá-los para um asilo ou casa de repouso.

O cinema da China, que mostrou ao ocidente grandes filmes tais como Lanternas Vermelhas (1991), Adeus, Minha Comcubina (1993), Nenhum a Menos (1999) e O Tigre e o Dragão (2000, que, sob a direção de Ang Lee, transformou um filme de Kung-Fu, tido como um subgênero do cinema, em uma obra de arte), vem com um filme que trata justamente do tema da Melhor Idade e que é uma joia cinematográfica do Império do Centro: O Ciclo da Vida (Fei yue lao ren yuan), dirigido por Zhang Yang (Flores do Amanhã), de 2012, vencedor do prêmio Menção Especial do Festival Internacional de Cinema de Tóquio e que, somente neste ano, chega aos cinemas do Brasil.

O filme conta a história de Ge (o ator Xu Huanshan), chamado pelas pessoas – inclusive seus amigos e familiares – de Velho Ge, um motorista de ônibus aposentado. Após a morte de sua segunda esposa, deixa a casa onde viveu com ela por 20 anos, mas recebe uma herança em dinheiro e decide dá-la de presente ao seu neto (Chen Kun), que casa-se nesse mesmo dia. Porém, o seu filho (Han Tongsheng) o proíbe de presentear o neto devido a uma rusga do passado.

Sem ter para onde ir, Velho Ge dirige-se a uma casa de repouso onde vive seu amigo e antigo colega de profissão, Velho Zhou (Wu Tian-Ming). A vida na casa de repouso é monótona e vazia. Velho Zhou conta a Velho Ge que ele e os outros moradores da casa estão ensaiando um número para apresentarem em um programa de TV. A enfermeira-chefe (Yan Bingyan) e as famílias dos idosos se opõem a isso, pois acham que eles não têm condições para realizar uma apresentação. Porém, apesar dessa oposição, de sua idade avançada e dos problemas de saúde, os idosos estão dispostos a realizar esse número e viajam pela China para participar do programa.

Para o público brasileiro, é curioso que os idosos no filme sejam chamados de “velhos”, pois aqui, para muitas pessoas, se chamarmos nossos idosos assim, podem sentir-se rebaixados e até humilhados. Porém, pelo que o filme demonstra, eles tem perfeita consciência de seu estado, de modo que não se sentem magoados ou ofendidos ao serem chamados dessa maneira.

O roteiro de Zhang Yang, Huo Xin e Chong Zhang é baseado em uma história original do também diretor e roteirista Liu Fendou (Chapéu Verde) e mostra, com muita sensibilidade, a triste realidade de pessoas da Melhor Idade que vivem em asilos e/ou casas de repouso. Mas, apesar dessa vida melancólica, ainda há espaço para a solidariedade, o amor fraternal e o humor, mostrados de forma muito equilibrada e poética.

Com a direção firme de Yang somada à performance excepcional dos veteranos atores, é impossível não se encantar, comover e rir em cenas que vão desde o choro de Velho Ge até a dança dos idosos ao som da música Y.M.C.A., da banda Disco Village People, cujos versos iniciais dizem: “Young man, there’s no need to feel down / I said, young man, pick yourself off the ground” (“Jovem, não há necessidade de sentir-se por baixo / Eu disse, jovem, levante-se do chão”, em tradução livre). E não há como não dizer “ahh…” quando a enfermeira-chefe desliga o rádio… O que parecia ser um filme que se passa entre as paredes da casa de repouso, transforma-se em um Road Movie. Dito assim, pode surpreender e até chocar, mesmo porque, quando fala-se neste tipo de filme, logo vem à mente filmes da franquia Velozes & Furiosos, com seus carros modernos e potentes e jovens dirigindo e pisando fundo no acelerador.

Porém, a história do cinema demonstra que Melhor Idade e pé na estrada são algo que combinam muito bem e podem ser visto em filmes como Harry, o Amigo de Tonto (1974), estrelado pelo maravilhoso Art Carney, vencedor do Oscar de Melhor Ator por este trabalho; o filme francês Mamute (2010), com Gérard Depardieu; e o pouco visto, mas excelente, Nebraska (2013), que deu a Bruce Dern o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes. Portanto, não venham com essa que velhinhos não podem viajar na rodovia!

Ao invés de um carrão, nossos heróis viajam em um velho ônibus enferrujado. E, durante a viagem, encontram desde valentões – que não hesitam em encarar – até uma tribo mongol e também uma manada de cavalos correndo livremente pelas belas paisagens do interior da China. Aqui, destaca-se a excepcional fotografia de Tao Yang. E não poderíamos deixar de falar da delicada e ótima trilha sonora de Bao San, que consegue mostrar todas as emoções do filme, do choro ao riso.

Obviamente que não contarei o final para não estragar a surpresa (entretanto, adianto que é de levar lágrimas aos olhos), mas, tal como no documentário norueguês As Otimistas (veja aqui), O Ciclo da Vida prova que nunca é tarde para perseguir os seus sonhos, independente de sua idade.

É de se lamentar que um filme tão excelente, encantador, comovente, lindo, uma verdadeira pérola, tenha demorado tanto tempo para ser exibido aqui, mas a espera valeu a pena!

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