Críticas

Crítica | O Filho de Saul

Uma das possíveis traduções para o nome hebreu Saul é “conseguido por meio de orações”. Na tradição judaico-cristã, o primeiro rei de Israel, hoje o único Estado de maioria judia do mundo, chama-se assim. O longa-metragem húngaro na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro, O Filho de Saul (Saul fia, no original), foca no trágico episódio vivido por esse povo e já bem conhecido do cinema: o holocausto nazista, que vitimou cerca de seis milhões de judeus.

O roteiro de László Nemes e Clara Royer tem como núcleo principal os integrantes dos Sonderkommandos: judeus recrutados entre os recém-chegados aos campos de extermínio, obrigados a ajudar nas tarefas diárias, como empilhar os corpos, limpar a câmara de gás e jogar fora as cinzas. Isso até serem considerados desnecessários e receberem o mesmo fim dos demais.

O modus operandi dos oficiais nazistas é clássico: conduzem as vítimas até as câmaras alegando que eles foram escolhidos para trabalhar e que receberão banho e comida. Enquanto o gás dizima judeus, Saul Ausländer (interpretado por Géza Röhrig) revira as roupas atrás de coisas brilhantes e separa as peças para serem descartadas. Agem feito robôs, como se os gritos fossem amortecidos a cada nova rodada no matadouro.

Saul é chamado de volta à dolorosa realidade quando algo diferente acontece: um garoto sobrevive ao gás. O médico alemão é chamado e o clima fica ainda mais pesado com o que vem depois: ele sufoca o menino até a morte. É um daqueles momentos que dispensam sangue para revirar o estômago. Uma cena que ajuda a dimensionar a crueldade e frieza dos seguidores de Adolf Hitler.

A partir daí, Nemes conta duas histórias simultaneamente. Enquanto acompanhamos a procura de Saul por um rabino que possa realizar os rituais de sepultamento do menino (que ele diz ser seu filho), uma rebelião começa a se formar quando se aproxima a execução dos Sonderkommandos.

A fotografia de Mátyás Erdély segue o protagonista de perto, trabalhando com um campo focal pequeno, sufocado ainda mais pela gravação em janela clássica (4:3). A câmera parece estar sempre na mão e é precisa na movimentação. Dentro dos dormitórios, o amarelo dá o tom, deixando clara a situação precária da instalação. A indiferença ao ambiente é um privilégio apenas dos personagens, pois a edição de som primorosa nos afunda de cabeça no filme de Nemes, que tem nele o seu primeiro longa-metragem. Anteriormente, ele dirigiu e roteirizou três curtas, lançados entre 2007 e 2010 – além de desempenhar outras funções em outros títulos menores. O filme valoriza os planos-sequência e corta com leveza, utilizando-se às vezes de deixas no áudio.

A última cena é poética e mantém a dúvida levantada durante longa. Quando os créditos sobem alguns espectadores podem reclamar das perguntas não respondidas. Porém, as pontas soltas não estragam o longa nem diminuem o desconforto que ele traz. O Filho de Saul não é apenas a reconstituição do que aconteceu em Auschwitz- Birkenau, no dia em 7 de outubro de 1944. É também, ao que me pareceu, a busca de Saul por redenção. Enterrar o garoto com dignidade se torna a oportunidade de se redimir pelos trabalhos prestados, mesmo que forçadamente, aos nazistas.

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