Críticas

Crítica | O Motorista de Táxi

O Motorista de Táxi começa com a chancela de um filme baseado em fatos, uma estratégia recorrente de um tempo para cá numa busca pela relevância das narrativas retratadas. O filme coreano ganhou certa popularidade nos circuitos internacionais, ainda mais com outra chancela, a de ser o pré-selecionado para o Oscar, dois fatores que conferem à obra certa aceitação por tudo o que desenvolve. Assim, esses elementos fazem de O Motorista de Táxi um longa que busca certas convenções, na mesma medida que ressalta a sua importância, algo que almeja ser aquele tipo de filme que agrada a tudo e a todos.

O recorte histórico é interessante, oportuno e curioso para o público estrangeiro. O longa se passa no início da década de 1980, quando o país estava passando por um golpe político que se tornara uma ditadura. O Motorista de Táxi promove um olhar acerca desse fato, como surgiram os levantes estudantis e populares, a reação da mídia pró-golpe, o isolamento de cidades problemas e o olhar do cidadão médio levado pelo discurso reacionário. Tudo isso através de um olhar comum de um simples taxista, que se insere intensamente nesse turbilhão político, após por um mal entendido e uma busca de dinheiro mais fácil, levar um jornalista estrangeiro a uma dessas cidades, e ao perceber no que estava se envolvendo já é tarde demais.

O mais interessante é que o filme utiliza-se desse olhar médio, aproveitando-se desse simples taxista para exemplificar essa conscientização de um momento político, uma passagem da alienação frente aos ocorridos, e a conscientização através da participação naqueles fatos, algo que transforma o indivíduo como um todo. No início é fácil ver o protagonista esbravejando que aqueles protestando na rua são apenas arruaceiros, que deveriam ir trabalhar num lugar como a Arábia e que provavelmente devem ser comunistas que só vão para faculdade a fim de ter essas ideias, sempre com essas falas carregadas de um preconceito de quem não consegue perceber o que ocorre de fato. Assim, o filme propõe acompanhar essa mudança, perceber o quanto frases como essas eram falaciosas e pouco construtivas naquele momento histórico.

O roteiro escrito por Yu-na Eon e dirigido pro Hung Jang tem a difícil missão de deixar o espectador entrelaçado com um personagem não tão carismático, para que essa mudança seja desejada pelo público, e também sentida como se fosse algo benéfico para uma persona que o público passa a admirar. Há então duas alternativas encontradas por essa dupla, a primeira a comédia, desse homem turrão que esbraveja, mas na verdade reproduz apenas por um mau humor tão caricato que não chega a ferir os espectadores, um exagero que ajuda a criar esse vínculo crítico a postura daquele homem, da mesma forma que interessado pela diversão que causa.

A outra estratégia é a utilização do melodrama para fornecer uma aproximação ainda mais forçada com o público, como se utilizasse quase um jogo baixo para essa adesão em relação ao protagonista. É verdade que o melodrama é algo constante na produção popular sul-coreana, todavia esse limite sempre parece no limiar do exagero, quando não ultrapassa esse linha, deixando um gosto de certa chantagem emocional, algo que comprova essa busca excessiva pela cooptação do público. Ainda nos primeiros minutos, o taxista chega a sua casa depois de um longo e árduo dia de trabalho e se depara com sua filha sozinha com a testa machucada. Essa sensação de uma criança dependente dele que fica à mercê do tempo pelo fato de seu pai trabalhar duro já está ali. O espectador fica consciente desse pai sozinho que precisa cuidar da filha e não tem nem mesmo dinheiro para pagar seu aluguel.

Com esses parâmetros desenvolvidos o longa usa todas as armas possíveis para que haja o interesse em acompanhar aquele taxista dentro desse turbilhão político. O Motorista de Táxi então faz valer sua primeira chancela, do filme baseado em fatos reais, de como toda aquela trajetória é importante. O protagonista e seu passageiro jornalista vão transitando por aquela cidade sitiada, mostram os hospitais lotados com a população massacrada pelos militares, a cidade ocupada pelo exército, as ruas vazias após o toque de recolher e assim por diante. Os dois protagonistas entram na casa daqueles manifestantes, descobrem suas vidas, sonhos e o motivo pelo qual lutam, desvendando os preconceitos ditos no início da obra. O interesse político vem através das imagens pesadas do desespero e pelo cuidado em relação aos indivíduos daquela cidade.

Quanto mais O Motorista de Táxi se envolve com seu tema político mais o filme tenta entrar no quão violento era o que estava ocorrendo. A comédia dá lugar à ação, o curioso é que isso vem munido de uma desenvoltura estética. Há algumas cenas em que no meio da violência das manifestações e repressões policiais, o filme toma um rebuscamento estético que ainda não tinha sido mostrado, com uma luz avermelhada que surge quase do nada, um jogo de luz e sombra que evidencia essa construção ficcional.

Por mais bonito e interessante que possa parecer, isso indica outra preocupação em relação a conquistar o público, realizar grandes sequências de ação com essa beleza do artifício cinematográfico. Nessa busca por almejar essa aceitação em vários âmbitos, o longa demonstra essa falta de coerência entre suas escolhas, o terceiro ato é aberto a um clímax envolvente, quase como um filme de ação, com perseguições de carro, momentos que nenhum taxista seria capaz de fazer. Por mais dinâmico que possa parecer, por mais rebuscado que seja construído, existe uma fissura entre o realismo proposto antes e essa ficção calculadamente construída no final, não conseguindo uma atenção plena em nenhum dos dois sentidos.

Assim, o discurso político do real se enfraquece com essa abertura aos canais escancaradamente ficcionais, enquanto esse envolvimento da ação é questionado pelo tom realista que era visto antes. Essas pontas ainda são fechadas pelo discurso melodramático que se faz sempre presente, deixando claro essas diversas artimanhas que tentam conquistar toda uma aceitação. O Motorista de Táxi pode até ser interessante nesses momentos, mas todos juntos demonstram mais essa vontade de agradar do que uma obra forte e coerente.

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