Críticas

Crítica | Orgulho e Preconceito e Zumbis

Não querendo ser redundante nem fazer um jogo de palavras, mas já a fazer, a moda dos filmes de zumbis canibais que assolou o cinema nos últimos anos tornou-se uma verdadeira praga.

Tendo como sua principal referência o clássico A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George A. Romero (Martin), havia desde bons exemplares como, por exemplo, o remake de Dawn of the Dead (2004), do próprio Romero, dirigido por Zack Snyder (Batman vs Superman); filmes descartáveis como Zumbis na Neve (2009), comédias como Zumbilândia (2009), interessantes minisséries como In The Flesh (2014, na qual a epidemia zumbi é vista como um doença chamada “síndrome do falecimento parcial” e o personagem principal é um zumbi gay!) e a atual série de TV de sucesso The Walking Dead (2010-presente). Isso sem contar as suas variações tais como filmes sobre, vejam só, zumbis estupradores (que gerou a infame piada “comem duas vezes”) e até zumbis mórmons! Eram tantos zumbis para cá e tantos zumbis para lá que eu, pessoalmente, já não aguentava mais ver e saber de novos filmes do gênero e nem mesmo escutar a palavra.

A literatura também embarcou na “zumbimania”. Foram lançados vários romances tendo o apocalipse zumbi como tema. Os mais conhecidos são Guerra Mundial Z, de Max Brooks, que gerou a superprodução de mesmo nome, em 2013; e Orgulho e Preconceito e Zumbis, de Seth Grahame-Smith (no Brasil, o livro foi lançado em 2010, pela Editora Intrínseca) no qual se baseia o filme que analisamos neste texto.

Fazendo uma releitura do romance clássico Orgulho e Preconceito da escritora inglesa Jane Austen (1775-1817), Orgulho e Preconceito e Zumbis conta a história de Elizabeth Bennet (a inglesa Lily James, de Cinderela) e suas quatro irmãs: a doce Jane (a australiana Bella Heathcote, de Sombras da Noite), a frívola Lydia (Ellie Bamber, da série de TV Os Mosqueteiros), a infantil Kitty (Suki Waterhouse, de A Série Divergente: Insurgente) e a estudiosa Mary (Millie Brady, de Lendas do Crime). Elas vivem com seus pais, o Sr. e a Sra. Bennet (interpretados, respectivamente por Charles Dance, da série Games of Thrones; e Sally Phillips, de O Diário de Bridget Jones) na propriedade chamada Longbourn.

São membros de uma típica família aristocrática inglesa do século XIX, não fosse o detalhe das irmãs Bennet serem exímias praticantes de artes marciais e no manejo das armas, especialmente Elizabeth, que teve seu treinamento realizado em um templo Shao Lin, na China. Esse treinamento em lutas e armas se deve ao fato da Inglaterra estar sendo assolada por uma praga que transforma as pessoas em zumbis, de modo que as famílias britânicas, principalmente as que moram no interior como os Bennet, devem estar sempre preparadas para enfrentar os impiedoso mortos-vivos.

Como toda a mãe que se preze, a Sra. Bennet deseja muito ver as suas filhas bem casadas, mesmo porque, pelas leis da época, as mulheres não tinham direito a herança, de modo que os bens do patriarca iam para o parente masculino mais próximo que, no caso dos Bennet, era o seu primo pastor, o pedante, afetado e pomposo Sr. Collins (Matt Smith, da série Doctor Who), que não se cansa de bajular sua matrona, a riquíssima e excepcional espadachim Lady Catherine de Bourgh (Lena Headey, de 300).

Um dia, a propriedade de Netherfield, próxima à dos Bennet, é adquirida pelo jovem cavalheiro Charles Bingley (Douglas Booth, da minissérie Grandes Esperanças), que logo se apaixona por Jane. Junto com ele estão a sua irmã, Caroline (a estadunidense Emma Greenwell, da série de TV Lei & Ordem: Unidade de Vítimas Especiais) e seu amigo Fitzwilliam Darcy (Sam Riley, de Control – A História de Ian Curtis), um coronel do exército inglês especializado em exterminar zumbis. Tido como orgulhoso, não é bem visto pela sociedade local, principalmente Elizabeth. Essa antipatia aumenta quando ela conhece o oficial George Wickham (Jack Houston, de Trem Noturno Para Lisboa), que acusa Darcy de prejudicá-lo em sua vida. Ele ganha a simpatia de Elizabeth e conta a ela que tem um plano para que humanos e zumbis possam viver harmoniosamente e em paz.

Orgulho e Preconceito é uma das mais populares obras da literatura mundial. No Reino Unido, é considerada como a segunda obra mais popular, perdendo apenas para a trilogia O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Recebeu várias adaptações para o teatro, o cinema e a televisão. No Brasil, as versões mais conhecidas são a minissérie da BBC, de 1995, que tem Colin Firth (Kingsman – Serviço Secreto) no papel do Sr. Darcy, em uma brilhante interpretação; enquanto que a outra versão é o filme feito para o cinema, em 2005, com Keira Knightley (franquia Piratas do Caribe), também com uma excepcional atuação como Elizabeth Bennet, tendo sido, inclusive, indicada para o Oscar.

Esse sucesso não é difícil de entender. Jane Austen elaborou muito bem os seus personagens, que são todos bastante humanos, de modo que os leitores tenham os seus favoritos. E, além disso, quem já leu a obra de Austen sabe: parece um roteiro feito especialmente para o cinema com cerca de 100 anos de antecedência, a ponto de os diretores adorarem trabalhar com essa obra, pois quase não têm trabalho de adaptá-la para as telas.

Eu li o livro de Austen, mas, confesso que não li o livro de Grahame-Smith. Porém, ainda assim, é possível perceber que, embora seja uma releitura ao mesmo tempo satírica e trash da obra original, é também uma homenagem respeitosa a autora e sua obra. É possível que, ao lerem isto, os puristas estejam espumando de ódio. Entretanto, ao se ver o filme pode-se perceber que é mesmo assim.

A premissa básica do livro de Grahame-Smith continua a mesma do original de Austen, com a diferença que os zumbis foram acrescentados na história. Quem lê o resumo de Orgulho e Preconceito e Zumbis pode até pensar que colocar os zumbis na trama foi uma ideia de jerico. Porém, ao se assistir o filme, essa mesma trama soa tão original e corre de modo tão fluente a ponto de se achar que foi Austen, e não Grahame-Smith, quem teve a ideia.

O diretor estadunidense Burr Steer é um nome ainda novo em Hollywood – este é apenas o seu quarto filme. É mais conhecido pelos filmes que fez com o então astro juvenil Zac Efron (High School Musical) em filmes como 17 Outra vez e Charlie St. Cloud. Em Orgulho e Preconceito e Zumbis, seu trabalho na direção está excelente, tanto na direção de atores como nas cenas cômicas e de ação. Para mim esse trabalho se destaca mais nas cenas do Sr. Collins – de quem falaremos mais adiante – e, como não poderia deixar de ser, nas cenas entre Elizabeth e o Sr. Darcy. Se continuar com essa pegada, é só uma questão de tempo para Steer ser promovido ao primeiro time hollywoodiano.

A produção de época é precisa, suntuosa e refinada, aliada à ótima fotografia de Remi Adefarasin (Match Point). A trilha sonora do espanhol Fernando Velásquez (O Impossível) consegue construir o clima sofisticado da aristocracia britânica da época.
Porém, o ponto forte de Orgulho e Preconceito e Zumbis, é, sem duvida, o seu elenco. Toda essa produção cara em figurinos, cenários e efeitos especiais não seriam nada se não tivessem atores e atrizes de talento e comprometidos com o trabalho.

Vamos começar com Lily James. Ela comprova que é mesmo uma atriz em rápida ascensão (veja aqui). Ela é bonita, simpática e muito competente. Lily faz uma Elizabeth Bennet tal como os fãs de Jane Austen imaginam: irônica e de forte personalidade e, além disso, uma implacável exterminadora de zumbis! Ela consegue ser tanto romântica quanto engraçada e tudo feito com a maior naturalidade. Ao ver o filme, Natalie Portman (saga Star Wars), que foi a primeira a ser cogitada para o papel, deve estar agora arrependida e chutando o próprio traseiro – mesmo sendo uma das produtoras do filme.

Não seria justo comparar o Sr. Darcy de Sam Riley com o de Colin Firth, mesmo porque este está em um nível bastante acima da maioria dos atores. Ainda assim, Riley não faz feio. Consegue transmitir aquele orgulho impossível de se aguentar tanto para Elizabeth quanto para a plateia. Assim como Lily, Sam faz a sua parte com muita competência.

Mas, para a agradável surpresa de todos, quem “rouba” as cenas sempre que aparece é o atual namorado de Lily James, Matt Smith. Ele tem aquela cara esquisita, aliás, parece um extraterrestre, a ponto de ser considerado um dos melhores intérpretes de Dr. Who. Mas, essa esquisitice não atrapalha a sua performance em Orgulho e Preconceito e Zumbis. Sinceramente, eu achava que, como namorado da estrela do filme, ele seria um coadjuvante de luxo. Felizmente eu me enganei, pois ele está um estouro, engraçadíssimo. Impossível não rir. O Sr. Collins de Matt Smith chega a lembrar de outro engraçado personagem da literatura: o Conselheiro Acácio, do romance O Primo Basílio, de autoria do grande escritor lusitano Eça de Queiróz.

Gostaria de fazer uma menção honrosa ao casal Bennet de Charles Dance e Sally Phillips. Embora no filme tenha menos destaque que o Sr. Collins, tanto no romance quanto nas adaptações feitas anteriormente, o casal Bennet continua um barato! A Sra. Bennet doida para casar as filhas com um bom partido, enquanto o Sr. Bennet ironiza o comportamento da esposa. A cena na qual, após Elizabeth recusar o pedido de casamento do Sr. Collins, a Sra. Bennet, aos berros, exige que o Sr. Bennet faça a filha mudar de ideia é uma das melhores do filme.

O ótimo Jack Houston mostrou que o seu George Wickham, além de um fingido, e um vilão de primeiríssima linha, a ponto de ter um grande destaque ao final do filme. O neto de John Houston (O Tesouro de Sierra Madre) e sobrinho de Anjelica Houston (Os Imorais) não dá mesmo ponto sem nó.

O Sr. Bingley e Jane Bennet fazem aquilo que se espera deles: serem um dos pares românticos do filme. Douglas Booth e Bella Heathcote formam um casal bonito e suas performances não comprometem.

Em um artigo anterior, eu disse que Orgulho e Preconceito e Zumbis era candidato a ser um dos filmes que poderiam surpreender em 2016 (veja aqui). Ele é isso e mais: é emocionante, engraçado e muito divertido, no qual os astros são os humanos ao invés dos zumbis. Quem for assistir, não vai se arrepender e ainda é capaz de querer voltar à sala de projeção para assistir novamente.

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