Pequeno Segredo é o filme brasileiro indicado ao Oscar, longe desta manchete já bastante conhecida, é necessário enxergar o que esse longa traz em sua essência fílmica. No entanto, é difícil desconectar a película de sua candidatura ao prêmio da academia. E tal dificuldade reside no fato de Pequeno Segredo ser fruto de uma visível oscarização, um processo de padronização visando uma típica escola americana, que só revela um desconhecimento dos códigos de um cinema clássico de qualidade cinematográfica.
Desde o primeiro segundo de filme, Pequeno Segredo revela crer que esse selo Oscar reside apenas ao levar o espectador ao choro excessivo, num apanhado de situações emotivas e sentimentais, que não, necessariamente, revelam uma forte emoção, mas que chegam a beirar o sensacionalismo. Já no início nota-se toda essa construção, das primeiras e agridoces notas da trilha musical de Antonio Pinto até chegar numa celebração fúnebre em algum lugar do Pacífico, logo de cara o filme escancara seu propósitos que basicamente é a cooptação emocional de seu público.
E haja chantagem emocional, os meios de causar esse sentimento são sempre os mais escancarados e menos sensíveis. O filme conta a história da própria família do diretor, os famosos navegadores Schurmann que tardiamente adotaram Kat uma garota vítima do vírus do HIV, dessa forma, Pequeno Segredo narra a história dos pais biológicos da menina, um neozelandês e uma paraense, e simultaneamente como Heloísa e Vilfredo Schurmann se relacionam com sua filha e aquela doença guardada a sete chaves pelos dois. Nessa história real com potencial melodramático gigantesco seria necessária uma sutileza singular, que definitivamente David Schurmann não possui.
Sabe quando uma família conta as suas histórias e fala: “nossa isso daqui daria um filme”? Então a dos velejadores brasileiros realmente dá, e é tão estranho notar como o diretor não consegue ser sensível perante a sua própria história, colocando aquela narrativa tão pessoal numa forma, “oscarizando” ou americanizando um filme que poderia ser bastante singular. Assim, é engraçado como o filme está sempre acompanhando as viagens daquela família, realizando planos que fazem questão de mostrar como o mar é o habitat daqueles personagens, todavia, diante do oceano que os cerca, David extrai de Pequeno Segredo uma profundidade digna de uma pequena banheira, sendo incapaz de mergulhar numa trajetória que viu de perto.
E claro que nessa história ocorreu uma série de tragédias, mas a grande questão é como filmá-las. Parece que Pequeno Segredo quer escancarar na tela o quão grave as coisas foram, o sentimento do filme provém da dor e não do amor. O acidente de carro da mãe biológica de Kat é escandalizado em cena, o filme faz questão de fazer um plano detalhe dos ferimentos, do sangue jorrando e da transfusão contaminada que gerará todo o drama de Kat; igualmente retratadas são as dores daquela criança causadas por aquela doença quase incurável. A dor física toma o centro do filme, a fim de machucar o espectador e ver se assim é possível causar o choro. É notável como quase no final da projeção, quando a avó biológica da garota reivindica a guarda da menina e em resposta Heloísa diz que aquela mulher não tem amor e define esse sentimento listando todos os sacrifícios que fez por Kat, citando inúmeras doenças e situações que a menina passou. É evidente como isso sintetiza um pensamento ingênuo e até inocente do longa, para Pequeno Segredo amor é igual a dor, nada além disso.
Assim, a película sofre de uma assepsia tanto em sua narrativa quanto em sua essência, esse filme quase sem forma e sem alma tem reflexos em sua aparência. De forma alguma pode se dizer que Pequeno Segredo tem um aspecto amador, muito pelo contrário, o longa acerta em todos pontos técnicos, não há o que falar da fotografia ou da direção de arte do longa, mas o que reflete na tela é um lugar comum gigantesco. Naquela construção bastante publicitária o filme não consegue passar nada além de planos bem feitos. E aqui não é nem ser estético sem ter relevância, mas ficar apenas no correto e ainda assim não passar, através dos elementos cinematográficos, sentimento algum.
No caso de Pequeno Segredo a fórmula que incessantemente é buscada serve apenas para despir o filme de qualquer particularidade, e isso se reflete na forma como Schurmann filma o próprio país. Acultural seria a definição correta, em muitos casos parece que o filme não tem conexão nenhuma com sua terra natal. No exotismo que o Pará é representado, até parece que o longa foi realizado por alguém como aquela avó biológica que acredita que por aqui ainda vive-se na idade da pedra, isso fica claro na cena em que o gringo e a paraense têm uma noite de amor num pequeno barco no meio do rio em plena região amazônica, um exemplo claro desse olhar exótico que Pequeno Segredo possui.
No entanto, essa “aculturalização” sempre presente fica clara numa rápida passagem, um pouco antes da citada cena do barco, o par romântico encontra-se numa festa no Pará, uma música local toca ao fundo, sem letra ou qualquer identificação, sendo apenas uma melodia que remete àquela região do país. De repente no clímax cênico, a trilha instrumental abafa a melodia brasileira, a grande eloquência da música, que poderia muito bem ser de qualquer filme pretensioso, apaga os traços de uma cultura única, cultura esta filmada en passant por Schurmann em Pequeno Segredo.
Nessa visão simplista do que é um padrão americano de qualidade, Schurmann se esforça para construir seu longa nos moldes de um produto “oscarizável”. Nesse processo de fazer esta narrativa caber numa padronização perde-se qualquer oportunidade de singularidade e são dessas particularidades que reside a força de qualquer filme. Pequeno Segredo é como tantos outros filmes, e como um produto padronizado não tem cara, nem forma e muito menos coração, o que resta do representante brasileiro ao Oscar é um sentimentalismo bem questionável.